Esequias Caetano de Almeida Neto
A função do código de ética não é normatizar a natureza técnica do trabalho dos profissionais de uma determinada classe; mas, por outro lado, assegurar um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela categoria; expressando assim, normas que determinam a direção das relações entre os profissionais que a compõe e destes com a sociedade. Um código de ética deve, portanto, ser pautado no respeito à pessoa humana e em seus direitos fundamentais (1); estando, deste modo, de acordo com a declaração universal dos direitos humanos.
Partindo do princÃpio acima apresentado, o Conselho Federal de Medicina (CFM) colocou em vigor neste dia 13 de abril de 2010 o Novo Código de Ética da Medicina, o qual, de acordo com o presidente do órgão, tem por objetivo melhorar a relação da classe médica com a população em geral (2). Muitas das mudanças já eram previstas em lei; mas, com a alteração no próprio código, o CFM passar a ter subsÃdios para que se abram processos éticos dentro do próprio órgão regulamentador da profissão. A penalidade para o profissional que descumprir o que está estabelecido pode chegar, inclusive, à perda do direito de exercer a profissão; se denunciado. Ao final deste artigo, orientarei sobre como agir caso você presencie o descumprimento de alguma das regras do código de ética por parte de um médico ou instituição de saúde.
Dentre as mudanças realizadas, está a proibição de consórcios ou cartões de desconto para procedimentos médicos. Com isto, ficam proibidos aqueles planos de longo prazo para pagamento de cirurgias plásticas, tão comuns hoje em dia (3). ProÃbe-se também que os médicos permitam aos pais a escolha do sexo dos bebês em processos de inseminação artificial – aliás, a partir de agora, toda e qualquer manipulação genética é proibida aos médicos, exceto na Terapia Gênica ¹.
Se o objetivo da mudança é melhorar a relação da classe médica com a população, sendo o paciente o grande contemplado pelas mudanças (2), conforme afirma o presidente do CFM, vale compreender um pouco melhor os artigos do código. Neste texto, comentarei as partes mais relevantes para a população usuária do serviço público de saúde, o SUS – não me atendo somente ao que há de novo nele.
Acima já comentei algumas das mudanças realizadas no código de ética da Medicina. Falarei agora de outros artigos relevantes ao usuário da saúde, discutindo o que mudou neles:
É vedado ao médico:
Art. 1º. Causar dano ao paciente, por ação ou omissão, caracterizável como imperÃcia, imprudência ou negligência
Esta regra já existia no código de ética antigo, mas é bom comentar. O médico não pode, por exemplo, deixar de atender qualquer pessoa, dentro de um hospital, que necessite de cuidados emergenciais (acidentado, infartado, ou que tenha sofrido Acidente Vascular Cerebral – conhecido como derrame, por exemplo), independente de sua especialidade, caso não haja outro médico especialista em exercÃcio no momento.
Art. 8º Afastar-se de suas atividades profissionais, mesmo temporariamente, sem deixar outro médico encarregado de seus pacientes internados ou em estado grave.
Art. 9º Deixar de comparecer a plantão em horário preestabelecido ou abandoná-lo sem a presença de substituto, salvo por justo impedimento.
Um das grandes queixas, principalmente dos usuários do SUS – inclusive estão entre os fatores que motivaram as mudanças no código de ética (3), é a falta de médicos nos plantões. As filas, já enormes, se agravam ainda mais por causa da impontualidade médica.
O código de ética antigo já estabelecia que o médico não pode deixar seu plantão e nem pacientes sob seus cuidados sem assistência. A diferença, agora, é que caso o médico não esteja presente, a instituição na qual ele atende será responsável por substituÃ-lo. Caso não o faça, o diretor técnico do hospital é quem deverá ser denunciado ao CRM. No caso dos hospitais e postos de saúde da rede pública, caso não seja feita a substituição imediata do médico, quem deverá ser denunciado é o secretário de saúde da cidade. O que não pode, é ficar sem médico.
Art. 11. Receitar, atestar ou emitir laudos de forma secreta ou ilegÃvel, sem a devida identificação de seu número de registro no Conselho Regional de Medicina da sua jurisdição, bem como assinar em branco folhas de receituários, atestados, laudos ou quaisquer outros documentos médicos.
Em tese, o código de ética antigo já proibia o médico de emitir receitas ou laudos de forma ilegÃvel. Existem inúmeros casos de pacientes que tomaram remédio errado porque o farmacêutico não conseguiu compreender o que estava escrito na letra.
O que mudou é que, a partir de agora, o médico é obrigado a informar o número de seu registro profissional no documento que emitir (número de seu CRM). Isto facilita a identificação do médico, em caso de denúncia.
Art. 25. Deixar de denunciar prática de tortura ou de procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis, praticá-las, bem como ser conivente com quem as realize ou fornecer meios, instrumentos, substâncias ou conhecimentos que as facilitem.
No código de ética antigo já era previsto que deveria denunciar, caso presenciasse, sinais de tortura ou procedimentos degradantes em seus pacientes. Isto vale, inclusive, se estes sinais forem oriundos de condutas dos familiares do paciente. Por exemplo, se o médico perceber que o marido espanca a esposa, ele tem a obrigação de denunciá-lo. Isto não é opcional. O médico é obrigado a denunciar.
Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa provocar-lhe dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.
O código de ética antigo também estabelecia que o médico não pode esconder o diagnóstico, prognóstico ², riscos e objetivos do tratamento a que submete seu paciente. O problema é que, muitas vezes, quando vai explicar ao paciente, ele usa um amontoado de termos técnicos que quem não estudou medicina não compreende. É direito do paciente exigir uma explicação compreensÃvel. E é dever do médico fornecê-la. Pena é que poucos pacientes exigem.
Além disso, o código de ética médica estabelece também que o médico tem a obrigação de informar seu paciente sobre as condições de trabalho que ponham em risco sua saúde (Art. 12), bem como sobre os determinantes sociais, ambientais ou profissionais de sua doença (Art. 13). Tudo isto, de maneira compreensÃvel. Caso o médico não fale, é direito do paciente perguntar. Caso o paciente se interesse por ler seu prontuário, o médico é obrigado a explicá-lo, do mesmo modo, de maneira compreensÃvel (Art. 88).
² – prognóstico refere-se à previsão de evolução ou desfecho de uma doença ou caso clÃnico.
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Esta regra também já existia. Contudo, no novo código, fica estabelecido que o médico deve evitar que pacientes terminais passem por tratamentos longos e desnecessários; ou seja, nos casos em que não há como salvar a vida do paciente, é sugerido que o mesmo seja levado para casa, onde serão ministrados medicamentos para aliviar a dor e para que o paciente passe seus derradeiros momentos ao lado da famÃlia, com o menor sofrimento possÃvel. Tudo isto, claro, com o consentimento da famÃlia (3).
Além dos artigos comentados, ainda vale lembrar que o médico tem o dever de tratar seu paciente com civilidade e consideração, respeitando sua dignidade (Art. 23); e, além disso, ter seu consentimento ou de seu representante legal para a realização de qualquer tipo de procedimento, salvo em caso de risco iminente de morte (Art. 22).
O médico não pode também revelar o que foi conversado com paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou representantes legais, desde que o paciente tenha capacidade de discernimento, salvo quando a não revelação possa acarretar dano ao mesmo (Art. 74).
COMO PROCEDER DIANTE DA FALHA ÉTICA DE UM MÉDICO?
Conforme explica o próprio código de ética, são os Conselhos Regionais de Medicina (CRM’s) os responsáveis pela aplicação das sansões éticas aos profissionais que desrespeitem o código. Deste modo, a conduta correta a se adotar caso diante de uma falha ética cometido pelo profissional médico, é entrar em contato com o Conselho de sua região. Veja bem, o contato é com o CRM, e não com a secretaria de saúde.
No site do Conselho Federal de Medicina existe, ao lado esquerdo da tela, um menu com o tÃtulo “Serviços à Populaçãoâ€. Clicando nele, aparecerão outros sub-menús, dentre os quais, encontra-se o formulário para denúncia do profissional médico, todas as orientações sobre informações necessárias e a conduta a se adotar em caso de denúncia de algum profissional.
Denunciemos os profissionais anti-éticos. Só assim poderemos melhorar a qualidade do nosso serviço de saúde. É burocrático o processo, mas é nossa obrigação contribuir para que sejamos bem atendidos. Ao denunciar um médico anti-ético, estará prestando um bem não só para você e sua famÃlia, mas para toda a sociedade. Não seja cúmplice das faltas éticas.
Referências:
(1)   Código de ética do Psicólogo: http://www.psicologo.inf.br/codigo_de_etica_psicologo.asp
(2)   Site Portal Médico – CRM – Revisão do Código de Ética Médica: http://www.portalmedico.org.br/modificacaocem/include/noticias/mostranoticia.asp?noticiaID=14394
(3)   Jornal A CrÃtica – Campo Grande: http://www.acritica.net/index.php?conteudo=Noticias&id=11688
(4)   Terapia Gênica: http://www.cib.org.br/apresentacao/terapia_genica_alexandra_zilli_word.pdf
(5)   Site Portal Médico – CRM – Novo código de ética da medicina: http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2009/1931_2009.htm
(6)   Site Portal Médico – CRM – Código de ética antigo: http://www.portalmedico.org.br/novoportal/index5.asp
(7)   Dicionário Michaelis: http://michaelis.uol.com.br/moderno/portugues/index.php?lingua=portugues-portugues&palavra=progn%F3stico
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