No primeiro texto dessa série, vimos alguns casos estupendos de falsa memória. Faltou, no entanto, comentar como um psicólogo, psicanalista, ou psiquiatra, pode implantar essas lembranças em seus clientes. Neste novo texto, será apresentada uma pesquisa mostrando a criação de falsas memórias. A facilidade com que lembranças de eventos passados dos participantes foram manipuladas é um alerta para o poder da terapia e para a responsabilidade do terapeuta. Para ser um bom profissinal não é necessário apenas conhecimento profundo do comportamento humano, mas também ética no trabalho a ser realizado.
O relato de pesquisa original pode ser lido aqui. Abaixo, segue um resumo.
Um questionário sobre eventos da infância foi aplicado em 159 possÃveis participantes da pesquisa. Eles deviam analisar os itens do questionário e afirmar quais daqueles eventos haviam ocorrido com eles em sua infância; além disso, era requisitado que descrevessem quão certos sobre a ocorrência ou não daqueles eventos. Dois itens eram os mais importantes para a pesquisa: “fui provocado por um valentão” e “perdi-me em um lugar público por mais de 1 hora”. Apenas os 72 sujeitos que responderam estar certos de que não foram foram provocados nem haviam se perdido passaram para a segunda fase do experimento.
Duas semanas depois, começou a segunda fase. Os 72 participantes foram divididos em 2 grupos. O grupo 1 (experimental) passou por um estágio de interpretação de sonhos. Os sujeitos se encontraram com um terapeuta e lhe narraram dois ou três sonhos. Independentemente do conteúdo dos sonhos, a interpretação dos terapeutas era sempre a mesma. Diziam aos participantes que aqueles sonhos provavelmente indicavam que eles haviam sido provocados por um valentão ou se perdido em um lugar público. O grupo 2 (controle) não passou por interpretações de sonhos.
Mais duas semanas depois, finalmente, os participantes dos dois grupos voltaram a responder o questionário sobre eventos da infância. Metade dos participantes do grupo 1, cujos sonhos foram interpretados, modificaram suas respostas, passando a afirmar que haviam se perdido ou haviam sido provocados por um valentão. Poucos participantes do grupo 2 modificaram suas respostas.
O resultado desse experimento indica que apenas um dia de interpretação de sonhos pode produzir mudanças na memória dos indivÃduos. O efeito é ainda mais impressionante por ter surgido de uma relação terapeuta-cliente de apenas um dia. Em relações terapêuticas reais, em que já há confiança e respeito mútuos, a capacidade de influência do terapeuta deve ser significativamente maior.
A facilidade em criar novas memórias mostra a responsabilidade do psicólogo, tanto enquanto modificador do comportamento, quanto como profissional ético. A influência exercida sobre as lembranças do cliente deve ser observada com muito cuidado, levando em conta as implicações da criação de lembranças falsas. As interpretações de sonhos, ou descrições do comportamento do cliente, requerem cautela. Idealmente, interpretações deveriam ser feitas apenas se muitas informações sobre o cliente estivessem disponÃveis e pudessem ser confirmadas.
O maior problema das memórias é a dificuldade em identificar se são falsas ou verdadeiras. Esse problema é parcialmente resolvido pela idéia de que nenhuma lembranças é precisa: nossas relações atuais muito provavelmente modificam o modo como nos recordamos de eventos passados. Essa teórica onipresença da deturpação da memória pode ser um ponto de apoio para alguns terapeutas afirmarem que suas práticas não devem sofrer alterações. É um pensamento errado. Modificar uma memória é como modificar uma opinião, uma crença, e psicólogos não têm o direito legal de fazer isso. Portanto, os dados sobre falsas memórias têm, sim, implicações para a terapia.
Ainda não há resoluções legais sobre falsas memórias. Não creio que haverá em breve. Isso não deve impedir os profissionais a atentarem e tomarem cuidados com sua prática clÃnica.
Robson Faggiani
One Response
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Olá, gostaria de saber a sua opinião quanto a possibilidade de terapeutas implantarem memórias falsas com objetivos de superação de dificuldades. Por exemplo, uma pessoa viciada em cigarro poderia passar a rejeitar o cigarro com a implantação de uma memória falsa parecida com a que impediu aquela pessoa de seu exemplo em comer ovos. Ou uma pessoa timida passar a se comportar masi espontaneamente depois de ter sido implantada uma memria de muita aceitação social. O que vc acha? É possivel?