1. TODOS TENTAMOS ENTENDER O MUNDO
Todos temos dúvidas. Às vezes não entendemos o porquê de alguns acontecimentos com os quais lidamos habitualmente. Por exemplo, não entendemos por que nosso bebê chora apenas às 2h da madrugada; ou não somos capazes de compreender como nosso irmão ficou doente se estava saudável no dia anterior. Quando essas dúvidas ocorrem, ficamos ansiosos, e essa ansiedade só passa quando conseguimos explicar o porquê dos acontecimentos.
Em outras situações, temos dúvidas. Simplesmente queremos saber mais sobre o mundo. Como funciona a gasolina no carro? É possÃvel criar um aparelho de TV tão pequeno que caiba no bolso? Por que o sol se move? Como podemos fazer com que nossas frutas nasçam mais bonitas? Apesar de algumas dessas dúvidas não serem acontecimentos que precisamos explicar com urgência, nossa curiosidade nos direciona a tentar explicá-los.
Um dos desejos fundamentais do ser humano é entender o mundo em que vive. Muitas vezes por necessidade. Outras vezes, por curiosidade. Qualquer que seja razão, o fato é que quanto mais conhecemos do mundo, mais habilmente podemos lidar com o que acontece nele. Quando entendemos por que as coisas acontecem, passamos a ter poder sobre elas: passamos a ser capazes de controlá-las e usá-las a nosso favor.
É por causa do nosso desejo de entender o que nos cerca, e por termos necessidade de compreender o mundo para vivemos melhor, que nos esforçamos por explicar aquilo sobre o que temos dúvidas. Formulamos hipóteses sobre os acontecimentos: nosso bebê chora às 2h porque é a hora que ele tem fome; nosso irmão estava saudável, mas ficou doente porque ontem não se alimentou direito; a melhor forma de lidar com a doença dele é, portanto, uma boa alimentação.
Formulando hipóteses, explicando os acontecimentos, nós nos tornamos preparados para lidar com eles se ocorrerem novamente. Voltando aos exemplos: agora que explicamos o comportamento do nosso bebê, já sabemos o que fazer às 2h, quando ele acordar; se nosso irmão ficar doente, tudo o que precisamos saber é se ele almoçou e jantou bem no dia anterior. Esses conhecimentos nos deixam confortáveis e seguros. Entender o mundo e saber como controlá-lo de acordo com a nossa vontade é um passo significativo para uma vida de qualidade.
2. QUAL É A MELHOR FORMA DE ENTENDER O MUNDO?
Somos capazes de formular explicações sobre os acontecimentos. Mas será que duas pessoas explicariam o mesmo acontecimento do mesmo modo? A Psicologia nos mostra que não. Cada um de nós é diferente do outro. Duas pessoas não percebem o mundo da mesma forma. Temos experiências únicas, expectativas únicas e conhecimentos únicos. Quando explicamos os acontecimentos, inevitavelmente utilizamos nossas experiências e expectativas nessa explicação.
Se cada um de nós explica as coisas de modo diferente, como saber qual dessas explicações é a melhor? Se considerarmos cegamente as particularidades de cada indivÃduo, poderÃamos responder a essa pergunta afirmando que todas as explicações são igualmente boas. No entanto, como pode haver mais de uma explicação possÃvel para o mesmo acontecimento? Automaticamente dizemos a nós mesmos que uma delas deve estar errada. Sendo assim, como julgar, como escolher qual é a explicação que melhor corresponde à realidade? É para responder a essa pergunta que existe a ciência.
3. A CIÊNCIA É A MELHOR FORMA DE ENTENDER O MUNDO
A ciência é um método de obtenção de conhecimento. Ao dizermos método, estamos nos referindo à s maneiras e regras especÃficas que são sugeridas a quem queira explicar e verificar como se relacionam diferentes acontecimentos. O objetivo da ciência é tornar a busca por explicações algo correto, fidedigno, honesto e socialmente compartilhado. Sabendo da importância do conhecimento na vida das pessoas, os cientistas se esforçam para produzir explicações cada vez mais próximas da realidade. Quanto melhores forem nossos conhecimentos, mais adequadamente e confortavelmente podemos viver.
As regras de obtenção de conhecimento propostas pela ciência são necessárias para evitar que o mesmo fenômeno seja explicado de muitos modos distintos. Seguindo o método cientÃfico, é esperado que todos nós cheguemos à conclusões relativamente semelhantes quando olhamos para o mesmo acontecimento. Isso não significa que essas conclusões são únicas e perfeitas. Outras pessoas podem melhorá-las ainda mais. E assim sucessivamente, em uma busca incessante pela explicação mais próxima da realidade.
Nesse momento, uma pergunta deve ter surgido. Se uma explicação cientÃfica não é permanente e única, qual é a vantagem dela em relação a explicações de outro tipo, como as que fazemos cotidianamente? A diferença é que as explicações dadas pela ciência passam por um extensivo controle de qualidade. A mudança de uma explicação para outra ocorre apenas se essa nova forma de explicar o mundo passar pelo mesmo extensivo controle de qualidade e se provar melhor do que sua predecessora.
4. OS PRINCÃPIOS DO MÉTODO CIENTÃFICO
Segue uma lista com alguns princÃpios do método cientÃfico e suas explicações. São esses princÃpios que permitem o controle de qualidade do conhecimento.
4.1. Evidências verificáveis
Esse talvez seja o princÃpio mais importante da ciência. Quando um cientista explica um fenômeno, deve fazê-lo de modo a tornar claro quais foram as evidências que o conduziram a essa explicação. Quando realiza um experimento no qual manipula variáveis, tem que explicitar detalhadamente cada um dos seus passos.
A exigência de que tudo que o cientista faça seja verificável tem a importante função de garantir que o cientista não está explicando o mundo baseado em expectativas pessoais. O conhecimento produzido por ele deve poder ser acessÃvel a qualquer outra pessoa. Se outro cientista quiser repetir experimentos previamente realizados, deve ter dados suficientes para poder reproduzi-los em seus mÃnimos detalhes. Se os cientistas não tornassem claro que acontecimentos do mundo os levaram à s suas conclusões, suas descobertas não seriam aceitáveis. Outros cientistas imediatamente questionariam essas descobertas, procurando por evidências que as comprovassem ou desmentissem.
Nas explicações que damos aos fenômenos cotidianos, não exigimos evidências de nós mesmos ou de nossos amigos. Muitas vezes confiamos neles. O perigo da confiança em conclusões não verificáveis reside na possibilidade de que nos comportemos de maneira inadequada. Voltemos mais uma vez ao exemplo do inÃcio do texto: talvez a doença do nosso irmão não seja realmente falta de alimentação; um médico poderia examiná-lo e dizer que ele pegou uma virose. Se compartilhássemos com nossos amigos nossa desconfiança de que nosso irmão ficou doente porque não comeu direito, poderÃamos, sem querer, induzir esses amigos a não procurar um médico para lidar com doenças sérias de seus parentes.
Os cientistas não podem confiar em explicações subjetivas. Precisam de provas, de evidências. Por isso exigem que tudo seja verificável. Por isso realizam experimentos.
4.2. Verificação experimental
Esse princÃpio é derivado do princÃpio acima. Foi descrito que os cientistas necessitam explicitar o que os levou à s suas conclusões. Mas isso não é suficiente para produzir um conhecimento de qualidade. Não basta apenas observar fenômenos para explicá-los. Para terem certeza da relação entre diferentes acontecimentos, os cientistas realizam experimentos para verificar essas relações.
Os experimentos envolvem a manipulação de eventos (acontecimentos, variáveis). Os cientistas manipulam algumas variáveis para verificar seus efeitos sobre outras variáveis. Uma variável é uma propriedade de um fenômeno que pode variar. A cor dos olhos, por exemplo, é uma propriedade que pode variar: existem olhos verdes, castanhos, azuis, etc. O peso pode variar, portanto, é uma variável. O tamanho também. Quando cozinhamos, podemos fazê-lo com diferentes temperos; ou seja, o tipo de tempero utilizado pode variar. O nosso grau de conhecimento de uma disciplina da graduação pode variar, portanto, isso também é uma variável.
Como dito acima, a experimentação envolve manipular uma variável para verificar seu efeito sobre outra. A variável que o cientista manipula é chamada de variável independente (VI): é ela que exerce o efeito sobre outra variável, a dependente. A variável dependente (VD) é, portanto, a variável que o cientista observa, aquela que é afetada pela variável independente. Dizendo de outro modo, a variável independente é a causa e a variável dependente é o efeito. Os cientistas, então, manipulam as causas e verificam seus efeitos.
A variável dependente é assim chamada porque ela depende, porque ela é efeito, da variável independente. Quando a variável independente é alterada, ela imediatamente provoca uma alteração na variável dependente. A variável independente é assim chamada porque ela é causa, sua alteração não depende de outras variáveis, mas apenas do experimentador.
Realizar experimentos é importante porque mostra, de forma verificável, a relação entre dois ou mais fenômenos. É somente testando as possÃveis relações entre dois eventos (variáveis) que podemos ter certeza se um tem efeito sobre o outro, e qual é esse efeito. Ainda que o cientista exiba todas as evidências que o conduziram à s suas conclusões, a forma mais eficiente de ele se provar certo é mostrando via experimentação que suas conclusões correspondem à realidade. Qualquer tipo de explicação que tenha sido formulada sem experimentação, é uma suposição.
4.3. Os fenômenos devem ser explicados de forma contextual (Determinismo ProbabilÃstico)
No passado da ciência, os fenômenos eram explicados com base na noção de causa e efeito. Cada efeito tinha uma causa, cada causa produzia um efeito. Essa era uma perspectiva mecânica de como as coisas ocorriam. De acordo com os cientistas que explicavam o mundo assim, uma simples seqüência causa-efeito-causa-efeito-causa-efeito podia explicar todos os fenômenos existentes. Com a evolução da ciência, essa perspectiva deu lugar a uma explicação contextual e probabilÃstica dos fenômenos. As palavras causa e efeito continuam sendo utilizadas, mas de forma mais flexÃvel. Um efeito pode ter várias causas, uma causa pode produzir vários efeitos, e essas causas e efeitos podem se misturar.
É comum que os cientistas utilizem a palavra função ao invés de causa e efeito. Dizem que uma variável é função de outra. Com isso estão dizendo que a variável dependente funciona em relação à variável independente, ou seja, que seu funcionamento varia quando a variável independente varia. O conceito de função é mais abrangente do que o de causa e efeito, pois deixa implÃcita a possibilidade de que muitas variáveis dependentes sejam função de apenas uma variável independente, e de que muitas variáveis independentes podem influenciar no funcionamento de apenas uma variável dependente.
4.4. Os fenômenos têm causas naturais
Os cientistas devem ser guiados pela idéia de que todos os fenômenos têm causas naturais. Sendo assim, não é válido apelar para causas imateriais, ou sobrenaturais, para explicar o mundo. Esse princÃpio tem estreita relação com os princÃpios vistos acima. Como descrito, é necessário mostrar as evidências e realizar experimentações para garantir uma explicação adequada dos fenômenos. É impossÃvel executar essas atividades com fenômenos sobrenaturais, que só podem ser compreendidos por meio da fé.
Na ciência não é admitida a existência do acaso. Se os fenômenos pudessem variar aleatoriamente não haveria ciência. Se não houvesse constância no mundo, jamais seria possÃvel conhecer a relação entre dois fenômenos, pois a relação nunca seria igual. O método cientÃfico de explicação, portanto, pressupõe que existe certa uniformidade entre os eventos do mundo. É essa uniformidade que torna a ciência possÃvel. Duas variáveis podem ser descritas como relacionadas porque é certo que toda vez que estiverem juntas, uma vai influenciar a outra.
Os resultados obtidos pela ciência são a principal comprovação do princÃpio de que tudo pode ser explicado por causas naturais. Nossos carros, aviões, celulares, Psicologia, casas, medicina, remédios, etc, são provas praticamente incontestáveis de que a ciência está certa. Se o método cientÃfico fosse falho, e se os fenômenos não fossem constantes, não poderÃamos nos beneficiar das descobertas cientÃficas. Um avião não voaria todas as vezes, se não houvesse uniformidade no mundo.
Apesar de ter demonstrado que todos os eventos são determinados por causas naturais, isto é, causas observáveis e verificáveis, os cientistas ainda não são capazes de explicar tudo o que acontece no mundo. Há muitos fenômenos psicológicos, por exemplo, que ainda não são inteiramente compreendidos. O mesmo com a fÃsica, a quÃmica, e assim por diante. O fato de existirem fenômenos não explicados não significa que eles jamais serão explicados. A história da ciência nos mostra que é apenas questão de tempo até que os mistérios se tornem conhecimento comum.
4.5. O conhecimento cientÃfico é acumulativo
A história do desenvolvimento da ciência tem demonstrado a importância que a comunicação entre cientistas tem para a evolução do conhecimento. Desde que o método cientÃfico passou a ser utilizado, muitos fenômenos foram revistos e ganharam novas explicações. Isso acontece porque os cientistas são ensinados a nunca se darem por satisfeitos. Sempre que uma nova descoberta é realizada, os cientistas desconfiam da qualidade dessa descoberta e a testam e re-testam para ter certeza de sua precisão. Ou seja, com base no conhecimento produzido por seus colegas, os cientistas criam e recriam experimentos em busca de melhores explicações.
É comum, portanto, que a explicação para um fenômeno mude. Isso ocorreu de forma grandiosa na FÃsica, quando Einstein desafiou as idéias de Newton. O conhecimento desenvolvido por Newton continua sendo utilizado para se referir ao que acontece com objetos grandes, mas a explicação de Einstein foi além, mostrando uma explicação que lida bem com objetos grandes e objetos muito pequenos. Algo semelhante ocorreu com a Psicologia. Desde os primeiros experimentos de Wundt, a Psicologia mudou muito. Um exemplo mais especÃfico foi o que ocorreu com Skinner, Watson, Pavlov e Thorndike. Baseado nos experimentos com animais de Pavlov, nos experimentos de Thorndike e no behaviorismo de Watson, Skinner fundou uma nova forma de psicologia cientÃfica, a análise do comportamento.
Algo importante deve ser observado. Einstein e Skinner não teriam sido capazes de revolucionar suas áreas se não tivessem se baseado nos conhecimentos produzidos pelos grandes cientistas que os precederam. O cientista Newton, após reformular a FÃsica do seu tempo resumiu a importância acumulativa da ciência com uma célebre frase “Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantesâ€.
O fato de o conhecimento ser acumulativo ainda nos mostra algo mais: novas descobertas estão acontecendo o tempo todo. Por isso, não é válido argumentar que, se a ciência não explicou determinado fenômeno, ele deve ser obra do sobrenatural. É mais correto afirmar que se a ciência ainda não explicou um fenômeno é porque, até o momento, não desenvolveu ferramentas para entendê-lo em toda a sua complexidade. Não estar explicado não significa que nunca será explicado. A ciência tem demonstrado que tudo é passÃvel de investigação.
4.6. A linguagem cientÃfica deve ser precisa e universal
Como pôde ser notado pelos princÃpios descritos acima, a ciência é um projeto coletivo, de ajuda e trocas mútuas. Para facilitar a comunicação entre diferentes cientistas, é necessária a utilização de uma linguagem precisa, correta e universal. Qualquer cientista, de qualquer lugar do mundo, necessita compreender um artigo, uma comunicação cientÃfica. É por meio de uma linguagem comum e universal que cientistas podem entender, colaborar e colocar à prova os conhecimentos produzidos por seus colegas. Se cada cientista utilizasse termos de sua preferência, a ciência se perderia da sua finalidade de ser um conhecimento para o bem público.
Robson Brino Faggiani
0 Responses
Stay in touch with the conversation, subscribe to the RSS feed for comments on this post.