Skip to content


Sobre o Ato Médico

Há alguns dias eu recebí via e-mail uns slides que discutiam Em que o ato médico vai nos afetar?. Eu gostei bastante da argumentação do autor. Abaixo reproduzo a idéia trazida pelos slides, mas com uma discussão um pouco mais voltada para a questão do campo de trabalho dos profissionais da saúde. Quem quiser ler os slides na íntegra clique aqui.

Como todas as outras leis, a lei do ato médico representa parte de um contexto; e como tal, é fruto do momento histórico, cultural e social de quem a cria. O idealizador da lei tal qual foi criada há alguns anos, é médico – o que, por sí só, já explica boa parte de sua configuração exclusivista com relação as outras profissões.

Como toda lei, nesta também cabem interpretações.

Vou discutir uma parte da lei, a que mais tem causado polêmica.

O Art. 4º da lei do ato médico diz:

São atividades privativas do médico:
I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica;

Diagnóstico nosológico: definido na própria lei como determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por no mínimo 2 (dois) dos seguintes critérios:

I – agente etiológico reconhecido;
II – grupo identificável de sinais ou sintomas;
III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.

De acordo com a lei, somente o médico passa a ter direito de identificar a doença (ou psicopatologia no caso dos psicólogos) com base em seus sintomas, conforme descrito no  CID 10 e/ou DSM-IV, e de determinar qual deve ser a terapêutica adotada. A parte grifada cabe duas interpretações:

1 – Cabe ao médico determinar para qual profissional da saúde aquele paciente deve ser encaminhado, e;

2 – Cabe ao médico prescrever qual a terapêutica a ser adotada pelo outro profissional da saúde.

Creio que a lei se refere ao primeiro caso. Embora a formação médica seja bastante generalista, ele não possui o conhecimento específico que o profissional de uma outra área X possui com relação a seu campo de trabalho. De todo modo, os outros profissionais da saúde perdem autonomia à medida em que a lei restringe ao médico o diagnóstico e, por assim dizer, a liberação para que eles atendam algum paciente.

Quem aqui trabalha, estuda ou faz estágio em locais onde são os médicos que encaminham os pacientes deve saber a quantidade de diagnósticos errados, orientações comportamentais erradas e prescrições/ combinações farmacológicas erradas dadas por médicos. Não estou dizendo, aliás, que os médicos são todos ruins e que os outros profissionais da saúde são todos bons. O que estou questionando é:  será que o médico possui o conhecimento necessário para determinar quando e talvez como todos os outros profissionais da saúde devam atuar?

Aliás, mesmo que os médicos tivessem este conhecimento, será que são tão necessários assim? Cito como exemplo a Esquizofrenia, aquela psicopatologia que acometia o personagem Tarso da novela Caminho das Índias exibida na rede globo,  na qual a pessoa delira, alucina, possui afeto desorganizado, etc.

A medicina trata esta doença especialmente com base nos neurolépticos, mas isto é necessário? Não. Várias pesquisas demonstram que não é necessária a intervenção medicamentosa na Esquizofrenia. Onde estão as pesquisas? Deixo duas para quem quiser saber um pouco mais sobre o que estou falando. Quem se interessar por ler mais, sinta-se a vontade para pesquisar as referências citadas nestes dois estudos.

Análise Aplicada e o Comportamento Diagnosticado Esquizofrênico.

Comportamento Verbal e Esquizofrenia: estratégia operante de intervenção.

Embora seja ultrapassada a idéia de que os remédios tem apenas função paliativa, é verdade que eles não promovem a independência da pessoa quando se trata de psicopatologia. Ele controla a doença, suprime os comportamentos indesejados por quem a trata ou convive com o ela; quando o que se pode fazer é ensiná-la a se comportar de formas mais adaptativas e/ou assumir o controle do próprio comportamento tornando-a assim, possivelmente independente da medicação ou terapia. Quem quiser entender melhor o que estou falando leia as duas pesquisas citadas acima.

A prescrição de drogas psicotrópicas, no entanto, é um comportamento muito reforçado pelo fato de que ela facilita o controle do comportamento alvo sem que se realize uma investigação mais cuidadosa das variáveis ambientais que o controlam, o que é mais difícil. Sidman (citado por Santos, 2007) já dizia que elas são um meio de contra-controle muito útil por profissionais incapazes de encontrar estas variáveis de controle do comportamento.

Cito a Esquizofrenia como exemplo por ser esta uma das psicopatologias mais desafiadoras da Psiquiatria moderna, mas existem diversas outras tão complexas quanto ela, mas que também não precisam de acompanhamento medicamentoso para o tratamento.

E com relação a necessidade do aval médico para os outros profissionais atenderem?

O que se espera de qualquer profissional com curso superior é que ele conheça sua área de atuação e saiba discriminar se deve ou não intervir alí e a maneira como deve intervir, sem precisar de um aval médico.

Ter de passar pela avaliação médica antes de ser atendido por qualquer outro profissional da saúde equivale a:

1) dizer que os demais profissionais da saúde não conhecem seu campo de trabalho a ponto de não saberem se alguém precisa ou não de sua assistência;

2) não conseguem identificar as alterações ocorridas em seu objeto de trabalho, e;

3) não possuem responsabilidade, ética e habilidade para discriminar se alguém precisa ou não ser encaminhado para outro profissional.

Para a população de modo geral, o ato médico significa:

1) enfrentar uma fila a mais, no caso do SUS, ou;

2) pagar uma consulta a mais, no caso dos atendimentos particulares.

Todos sabem como são grandes as filas do SUS. Tem gente que espera meses, ou até anos, para conseguir uma consulta. Imagine agora se todos os pacientes das outras 11 profissões da saúde tivessem antes que passar pelos médicos, como esta fila ia crescer? Se a fila cresce, fica mais difícil ainda conseguir marcar uma consulta.

Aqueles que não podem esperar pelas filas do SUS ou preferem pagar um atendimento particular também serão afetados.  A velha lei da oferta e da procura também vale nesta situação. Se todos os pacientes que antes procuravam diretamente a um outro profissional da saúde, a partir de agora terá de passar por uma avaliação médica anterior (afinal, só eles diagnosticam e prescrevem a terapêutica de acordo com esta lei), e os médicos podem tranquilamente aumentar o valor da consulta, já que a procura por eles vai aumentar drasticamente.

Nos planos de saúde há um tempo já funciona assim. Todo paciente tem de passar pelo médico para, só então, ser encaminhado a outros profissionais da saúde.

A lei já foi aprovada pelos deputados, agora está no senado para votação.

E você, o que acha da aprovação da lei do Ato Médico? Se você é contra, envie e-mails para os senadores que representam o seu estado. O endereço deles pode ser encontrado aqui. É o seu bolso que vai pagar pela lei do Ato Médico.

– – –
Autor: Esequias Caetano de Almeida Neto.

Posted in Artigos, Ciência, Educativos, Psicoterapia. Tagged with , , , .

9 Responses

Stay in touch with the conversation, subscribe to the RSS feed for comments on this post.

  1. Yan said

    Se eu entende corretamente. Isso ta equivocado, cada medico tem uma especialidade e cabe a ele definir o melhor tratamento para o paciente de sua especialidade.

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  2. Neto said

    Olá Yan, obrigado por participar do site.

    Na verdade entre os médicos está tudo ótimo. O problema é para as outras profissões da saúde, como fisioterapia, nutrição, a psicologia, entre outras. Estes outros profissionais não médicos é que terão restrições com relação a sua atuação.

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  3. Osvaldo Ferreeira de Azevedo said

    Os psicólogos, até a presente data histórica da humanidade, não sabem qual seu verdadeiro objeto de estudo, seu fundamento epistemológico. Estão querendo criar a Psicologia Médica como a parte da Medicina que estuda a Psicologia! Que loucura…Como, para a Medicina, A Neurociência não foi novidade e, sim, implementação do estudo do cérebro através da moderna imaginologia cerebral, do genoma, proteoma e fisiologia comportamental, etc. Para a psicologia tais avanços desfizeram a falácia das psicoterapias, sobretudo a Psicanálise e as escalas mirabolantes…

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  4. PL 7703/2006 (PLS 268/06)
    Dispõe sobre o exercício da medicina
    -Considerações-

    No texto que se segue apresento algumas pequenas considerações acerca do Projeto de Lei que versa sobre o Ato Médico. Desde já, reconheço o imenso avanço que tal Projeto representa para a Saúde, contudo, evidencio, também, a necessidade de um debate mais elaborado sobre a matéria, haja vista a ausência de consenso entre as diversas áreas de Saúde, inclusa e em destaque a Medicina, sobre algumas disposições, concepções e definições de termos e procedimentos técnicos, os quais foram, unilateralmente, pressupostos como consensuais pelos elaboradores e defensores do Projeto, desconsiderando a diversidade de entendimentos profissionais histórica e culturalmente constituídos. O § 7º, do Art. 4o busca resguardar “…as competências próprias das profissões de assistente social, biólogo, biomédico, enfermeiro, farmacêutico, fisioterapeuta, fonoaudiólogo, nutricionista, profissional de educação física, psicólogo, terapeuta ocupacional e técnico e tecnólogo de radiologia”, sob o entendimento de que aquilo que não foi regulamentado em Lei por tais profissões é, naturalmente, pertencente à Medicina. Contudo esquece-se que a ausência de regulamentação legal à época de constituição oficial de tais profissões se deve não por terem reconhecido que tais procedimentos/ações/atribuições pertenciam, naturalmente, à Medicina, mas porque, em muitos casos, não se chegou a um consenso a quem pertenceria e optou-se por deixar tais itens fora dos textos legais em resposta às oposições classistas que ocorreram. Assim, também a Medicina não poderá se apropriar de tais elementos alegando ‘orfandade’ legal, pois que as mesmas ou maiores oposições se prontificarão a surgir. Além disso, o texto do presente projeto apresenta algumas contradições com o disposto no referido Artigo, pois sustenta exclusividade médica sobre atribuições já consagradas a tais outras áreas. Buscando justificar tais contradições ou, no extremo, tentando negá-las, as entidades médicas envolvidas com a defesa do Projeto se apressam em afirmar que o entendimento da classe em relação a tais questões dirime qualquer contradição que possa haver por uma questão de bom senso. Contudo, o referido ‘bom senso’ e o ‘entendimento consensual’ da classe médica não se encontra registrado de forma explícita no corpo do texto, o que nos leva a crer que existe espaço fértil ao surgimento de conflitos futuros pela posse desse ou daquele direito pelas diversas áreas da Saúde. Assim, a seguir apresento minhas considerações sobre aqueles pontos que considero mais polêmicos para o debate.

    Walner Mamede Jr.
    Farmacêutico e Educador Físico.

    Art. 4º São atividades privativas do médico:
    I – formulação do diagnóstico nosológico e respectiva prescrição terapêutica

    Se “formulação de diagnóstico” é privativo ao médico, outros profissionais estarão proibidos de fazê-lo na competência de sua área de formação. Acusar a Acupuntura, a Psicologia, a Fisioterapia e outros de ilegitimidade na execução de diagnósticos é desconsiderar outras formas de perceber a saúde que sejam diferentes da visão ocidental tradicional e cartesiana. O diagnóstico pressupõe uma percepção maior que um mero olhar sobre a DOENÇA, exige um olhar sobre a SAÚDE, conceito mais amplo. Proibir os demais profissionais de realizarem diagnóstico e mais, de prescreverem a terapia adequada é perceber o ser humano apenas pela perspectiva particular da DOENÇA, perdendo-se toda a perspectiva holística (sem a conotação pejorativa atual) da SAÚDE, que envolve, inclusive, questões sócio-psico-ambientais, e o médico não é o profissional mais competente para tanto. Colocar em suas mãos a exclusividade de direito sobre o diagnóstico coloca uma mordaça nos outros profissionais, podendo impedir a identificação da causa original do distúrbio e focalizando o tratamento apenas sobre os sintomas. Está implícita aí uma concepção de SAÚDE que precisa ser debatida. Ainda, exclusividade sobre a “prescrição terapêutica”, mais que indicação do terapeuta mais adequado, pressupõe, ou, ao menos deixa implícito, que o médico poderá ditar o passo-a-passo do tratamento que deverá ser seguido por outro profissional. É claro que os médicos conscientes e responsáveis optarão ou por manter uma equipe multidisciplinar para o diagnóstico/tratamento completo ou deixará isso por conta do profissional mais competente, mas se a lei abre espaço para não ser assim, lembrem-se, o egocentrismo existe para ser utilizado e muitos médicos reivindicarão o direito de seu uso, centralizando todo o processo terapêutico em suas mãos e perdendo a perspectiva da totalidade. A luta não é para impedir o ATO MÉDICO, mas para torná-lo mais racional e condizente com as discussões mais atuais que se processam no campo da SAÚDE e envolvem outras áreas, inclusive, externas à Saúde, tirando o foco sobre a visão biologista do corpo e do ser humano. A argumentação das entidades médicas é de que “não há artigo, parágrafo ou inciso nas leis que regulamentam as demais profissões de saúde que lhes dê tal atribuição”. A questão é que, essa é uma atribuição órfã, que está sendo “adotada” pelo ato ATO MÉDICO. Contudo, as demais profissões, também, estão reivindicando o direito à sua “paternidade” quando se posicionam contra tal ATO da forma em que está. Como a “paternidade” nunca havia sido reivindicada, a atribuição era tida como “filha da comunidade” a exemplo de algumas tribos indígenas em relação à suas crianças. No momento em que um dos pares requisita sua exclusividade, os demais se sentem, também, no direito de fazê-lo ou de negociá-lo em termos menos exclusivistas. E é essa a situação do debate atual. O que precisa ser elucidado é o que é diagnóstico e prescrição exclusiva do médico e o que é diagnóstico e prescrição privativa de outras áreas e não dizer que diagnósticos e prescrições em geral pertencem exclusivamente ao médico, como vem sendo colocado, pois existem diagnósticos e prescrições que extrapolam a competência de conhecimento do médico. Dizer que diagnóstico e prescrição relativos a DOENÇA são o gênero que pertencem com exclusividade ao médico não resolve o problema, pois o conceito de SAÚDE e DOENÇA é controverso e o consenso sobre a melhor forma de abordá-los mais distante ainda, pois passa por concepções igualmente diversas de VIDA e MUNDO, cada qual com argumentos fortes a seu favor. Como decidir qual o verdadeiro sem uma discussão ampla, sincera e desprovida de preconceitos? As entidades médicas reclamam exclusividade sobre a responsabilidade de curar e alegam que diagnosticar uma doença não é a mera soma de sintomas. Nenhuma outra profissão acredita que a doença é a mera soma de seus sintomas, pois seria manter-se na superficialidade da questão e, exatamente, por isso a responsabilidade pela cura (há que se definir o que é cura) não pode pertencer a uma única categoria profissional, pois que seria reduzir a SAÚDE a um único ponto de vista. É ponto pacífico o entendimento de que “…Diagnosticar uma doença significa sim juntar peças de um quebra-cabeça, coletando informações através da anamnese, do exame clínico e de exames laboratoriais, mas com a capacidade de visualizar o todo, o conjunto, pois a conclusão final tem de ser única para o bem do próprio paciente…”. Contudo, afirmar que só o médico é capaz de fazer isso individualmente ou é ingenuidade ou é arrogância, pois desconsidera toda a capacidade dos demais profissionais! Há, sim, que bem definir, nesse aspecto, onde termina a competência do médico e começa a dos demais profissionais, e não realizar uma defesa de exclusividade geral. Além disso, se a função do médico, como coloca as entidades médicas em sua defesa, é diagnosticar e tratar doenças, e doença é, restritiva e tradicionalmente, entendida como disfunção orgânica (cf art. 4o,, Inc. XI, § 1º desta Lei), e a OMS diz que ‘saúde é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças’, considerando que bem-estar físico e mental estão diretamente relacionados com a (dis)função orgânica (portanto relacionados a DOENÇA), o que sobra aos demais profissionais da SAÚDE? Faz-se necessário afirmar, inclusive, que dentro das discussões mais atuais sobre PROMOÇÃO DA SAÚDE a definição da OMS é profundamente criticada.

    III – indicação da execução e execução de procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos, incluindo os acessos vasculares profundos, as biópsias e as endoscopias;
    A argumentação em favor desse inciso está assentada na “orfandade” dos procedimentos invasivos para fins diagnósticos, contudo, as entidades médicas utilizam um recurso retórico ao realizarem tal afirmação, pois o inciso não trata apenas dos procedimentos invasivos para diagnóstico, mas, também, dos terapêuticos e estéticos. Aprovar o inciso como está é amordaçar os demais profissionais quanto às suas competências. Talvez, diagnósticos e tratamentos invasivos devam ser privativos do médico, com razão, mas estéticos? Estética é DOENÇA?! Os médicos não deveriam se ater a questões relacionadas a DOENÇA/SAÚDE? Se estética é doença (ou saúde), como justificar a alegação dos planos de saúde para não cobrir procedimentos estéticos, apenas de saúde? Os procedimentos estéticos serão incluídos como procedimentos de saúde? Isso não gerará conflito com as disposições da ANS para os planos de saúde? Ademais, como definir com precisão o que é “procedimento invasivo” (cf § 4º, Inc. XI deste artigo)? Acupuntura é invasiva? Depilação laser é invasiva? Tatuagem é invasiva? Limpeza de pele é invasiva? Podologia é invasiva? Todos esses procedimentos realizam solução de continuidade da epiderme! Os médicos assumirão tais tarefas? No referido § 4º, Inc. XI, fica patente que sim, pois promovem uma ‘ação em profundidade sobre a pele e anexos, com produtos que alteram a estrutura celular’. Contudo, uma suave abrasão física com lixa ou creme com esferas de polietileno pode promover alteração celular por eliminação da camada córnea, o que provoca renovação da pele por estímulo produtivo da camada basal e diferenciações subseqüentes nas camadas granulosa e espinhosa. E a intervenção da Acupuntura não provoca tal alteração celular, mas rompe a pele. E o que dizer dos ativos químicos e da ação mecânica sobre cravos e espinhas? Quão profunda/invasiva deve ser a ação para que se ‘exclusivise’ sob a tutela médica, considerando que a epiderme possui a espessura de uma folha de papel? É curioso como este Inciso é contraditório com os argumentos apresentados em favor do § 4º, Inc. II, do Art. 4o, da presente Lei. Em sua argumentação as entidades médicas, ao se referirem à tatuagem e ao ‘piercing’ afirmam que “Nenhum destes procedimentos invasivos constitui ato médico. Não têm fins diagnósticos ou terapêuticos, apenas estéticos”, não sendo, portanto, objeto desta Lei. Se aqui, no Inc III, afirmam que procedimentos estéticos invasivos são privativos ao médico, como fica a questão? Em relação à Acupuntura, tecem um arcabouço argumentativo igualmente contraditório em favor do § 4º, Inc. II, do Art. 4o, pois afirmam ter sido tal arte reconhecida cientificamente pela Medicina (cujo ‘status’ científico é, ele próprio, controverso) e ser por médicos executada, portanto, entendida como Especialidade Médica. Contudo, há de se lembrar que outros profissionais exercem tal função e se processos invasivos são privativos à Medicina, os demais serão proscritos de sua prática. Em adição, afirmam ter sido consenso não tornar a Acupuntura objeto desta Lei, mas na Lei não há menção nenhuma a tal consenso de concessão, ficando aberta a possibilidade de contestação posterior e apropriação da arte pela Medicina. Não basta haver ‘acordo de cavalheiros’ entre as partes acerca do que será ou não objeto de regulamentação prática a partir da Lei, ou sobre a concepção e definição de termos técnicos utilizados em seu texto. É necessário que isto esteja explícito em seus artigos como forma de garantir o cumprimento ‘a posteriori’ e se evitar conflitos de interesse por diversidade interpretativa que poderia ter sido prevista.

    XI – determinação do prognóstico relativo ao diagnóstico nosológico;
    Mais uma vez esbarramos na inespecificidade de um termo que poderá gerar interpretações diversas e contraditórias quando de sua aplicação prática após a promulgação da lei. Nosológico é relativo ao diagnóstico de DOENÇAS, mas qual a definição de DOENÇA? Precisamos abordar a discussão, explicitamente, pelo viés do binômio SAÚDE-DOENÇA como é mais adequado à matéria e não tomar o termo DOENÇA como síntese desse binômio, pois que levará, incontestavelmente, a entendimentos equivocados sobre diversos artigos da lei. Por esse motivo, o presente inciso poderá gerar conflitos intermináveis se aprovado da forma como está.

    § 1º Diagnóstico nosológico privativo do médico, para os efeitos desta Lei, restringe-se à determinação da doença que acomete o ser humano, aqui definida como interrupção, cessação ou distúrbio da função do corpo, sistema ou órgão, caracterizada por no mínimo 2 (dois) dos seguintes critérios:
    I – agente etiológico reconhecido;
    II – grupo identificável de sinais ou sintomas;
    III – alterações anatômicas ou psicopatológicas.
    No caput do parágrafo, DOENÇA é tomada, exclusivamente, como disfunção orgânica. No Inc III deste parágrafo o termo “psicopatológicas” abre espaço para se entender a disfunção orgânica como primária em relação às questões psicológicas, desconsiderando que outro profissional, nomeadamente o psicólogo, possa ser a primeira escolha para o diagnóstico. Ou seja, uma disfunção orgânica pode ser diagnosticada e tratada como secundária a um distúrbio psíquico e isso não compete ao médico, inclusive, pela especificidade de sua formação. Inclusive, este artigo despreza a competência de outras formas de diagnósticos que extrapolam a competência da medicina ocidental (entenda-se “ocidental” como derivação da ciência cartesiana, positivista, sem desmerecê-la, mas, antes, compreendendo suas limitações) e o conhecimento do médico que se orienta por essa linha. Ainda que no § 2º o diagnóstico psicológico e mental e outros sejam entendidos como compartilhados, este parágrafo gera a dúvida se quando um outro profissional identificar disfunção orgânica secundária aquilo que ele entende ser-lhe de competência deverá ou não encaminhar o paciente ao médico sem aplicar-lhe o que considera terapêutico ou procedimento diagnóstico mais adequado, aguardando a orientação médica e colocando à parte todo seu próprio conhecimento porque a Lei lhe proíbe de exercê-lo frente à DOENÇA. Isso é fazer um recorte do corpo e do ser humano, dando um pedaço para cada profissional. A própria concepção do que é um procedimento diagnóstico apropriado deve ser discutida adotando-se os diversos referenciais teóricos disponíveis (as entidades médicas adotam, unilateralmente, como referência o ‘Stedman’s Medical Dictionary, 28th ed., 2005’)

    II – invasão da pele atingindo o tecido subcutâneo para injeção, sucção, punção, insuflação, drenagem, instilação ou enxertia, com ou sem o uso de agentes químicos ou físicos;
    Comentários realizados por ocasião do Inc. III, § 4º. Acrescente-se que por “punção” e “injeção” pode-se depreender a compreensão de que a Acupuntura, a tatuagem e o implante de adorno (‘piercing’) podem ser considerados ilegais se praticados por não-médicos, ainda que o entendimento dos legisladores e das entidades médicas não seja esse, simplesmente pelo fato de esse entendimento não estar explícito na Lei e não ser corroborado por elementos como os constantes no Inc. III, § 4º.

    III – invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos.
    Mais uma vez as entidades médicas são contraditórias em sua argumentação, pois seu entendimento subjetivo não representa aquilo que está expresso no texto da Lei, criando a possibilidade de contestação futura e surgimento de conflitos quando de sua aplicação prática. Se a Lei afirma que a ‘invasão dos orifícios naturais do corpo, atingindo órgãos internos’ é privativo ao médico, como justificar que o toque e a coleta vaginal podem ser realizados por enfermeiras e a eletroestimulação vaginal/uretral por fisioterapeutas? A alegação é que tais procedimentos não são invasivos, contudo, pela estrutura do texto legal, a ’invasão de orifícios naturais’ está alocada sob a categoria de procedimentos invasivos, inclusive como caracterizadores de tal procedimento. Aqui fica explícita a confusão dos legisladores quanto ao que é ou não ‘procedimento invasivo’, pois, ao mesmo tempo em que ‘INVASÃO’ é entendida apenas como solução de continuidade da pele (Inc. I, § 4º) pelos argumentos das entidades médicas, a ‘invasão de orifícios naturais’ é colocado sob a égide de ‘procedimento INVASIVO’ (‘caput’ do § 4º), mas a INVASÃO do orifício vaginal (e, quiçá, outros) não é considerada INVASIVA. Como lidar com tal tipo de contradição? A própria representação médica nos dá uma direção ao listar, em seu argumento, alguns dos procedimentos que serão considerados INVASIVOS dos orifícios naturais (otoscopia, a laringoscopia, a retossigmoidoscopia, a broncoscopia entre outros). Se não se mostra possível estabelecer um entendimento universal sobre o que seja ou não invasivo, que se faça a diferenciação, então, pela enumeração dos casos particulares, evitando-se assim uma confusão conceitual e o conflito de interesses futuro.

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  5. maria beatriz said

    É impressionante como existem pessoas que não percebem as limitações naturais do ser humano, do homem, então se o fisioterapeuta mudar de nome e passar a chamar médico aí tudo bem? se o nutricionista chamar médico pode atuar como nutricionista… dá vontade de rir, é impossível o médico saber fazer uma terapia física como o fisioterapeuta, ou uma terapia comportamental como um psicólogo, se eles derem conta de fazer o que cabe a cada um, já tá muito bom, quem sabe aí começaremos a ver menos erros médicos, é uma involução muito grande na ciência essa hipótese de ato médico, cada um na sua área e a junção de saberes em prol do paciente é o que deve acontecer, médico é uma nomeação profissional, assim como existem outras nomeações e cada uma tem sua legislação e cada uma sua função, pensem um pouquinho!

  6. Manuel Pereira said

    Os estudos citados de forma alguma demonstram que não é necessária a intervenção medicamentosa na Esquizofrenia. Demonstraram benefício para o paciente em ser submetido a psicoterapia e nem citam o efeito benéfico ou maléfico de neurolépticos. Estudos que se prezem não avaliam a resposta de apenas UM paciente e sim de dezenas ou centenas deles.

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  7. Neto said

    Manuel,

    Você se refere a estudos estatísticos, este que citei aí é experimental. Se quiser uma revisão sistemática de estudos de caso controlados, com maior nível de evidência, procure pelo artigo Esquizofrenia: intervenções operantes, publicado pela Dra. Ilma Goulart de Souza Brito no vol. 23 da série Sobre Comportamento e Cognição: desafios, soluções e questionamentos em 2009, org. por R. C. Wielenska (pp. 393- 401). Santo André.

    [WORDPRESS HASHCASH] The poster sent us ‘0 which is not a hashcash value.

  8. Vale para o ato médico: Isto é um conto do vigário, pois, psicologia não é nem mesmo área médica, logo, médico algum possui competência para avaliar o trabalho de psicólogo e isto consiste em falta de ética do lado do psicólogo que aceita e do psiquiátra que experimenta este ridículo caso de narcisísmo. Observe abaixo o princípio de número 6 que fundamenta a existência da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), observe,

    “6 – A diferença entre a saúde e a enfermidade psiquiátrica é antes de tudo uma questão da qualidade das manifestações mentais e comportamentais apresentadas pelos indivíduos e pelos seres humanos grupalmente, que definem sua clara patologia.”

    Nota-se claramente que a pessoa além de pagar altos impostos e ainda o plano de saúde medíocre, é obrigada a estar doente mental (quando as qualidades das manifestações mentais e comportamentais são intensas) para usufruir do plano pago a duras penas. Não tem direito a procurar o psicólogo enquanto ainda está saudável evitando a enfermidade e necessidade de psiquiátra e o que é mais terrível: ficar dependente de remédios psicotrópicos que matam por ano mais do que os acidente de trânsito.

    Para promoção de saúde o contratante do plano de saúde, ou seja, você! deve exigir de seu plano o livre acesso ao psicólogo antes que necessite da psiquiatria – doutrina das doenças mentais e do respetivo tratamento. Se a psiquiatria consta no dicionário como tal doutrina das doenças, então o plano de saúde necessita de doentes. Pense nisto:

    Você passa por um constrangimento e isto fica perturbando seu dia-a-dia. Seu plano de saúde não permite o acesso ao psicólogo para sanar este pequeno incomodo e com o passar do tempo outro acontecimento não resolvido soma energia ao primeiro.

    Após determinado tempo ocorre algo muito grave e somado aos pequenos fatos anteriores surge a doença mental e em decorrência a psicossomática – ex. hipertensão arterial, logo, uma doença pré-exitente irá aumentar o valor do plano de “saúde” (seguradora)!, o lucro da indústria farmacêuta e dos psiquiátras inescrupulosos que submetem-se ao terror em questão. Observe o pronunciamento do PHD. Gary Null e outros no vídeo abaixo denominado “PSIQUIATRIA, UMA INDÚSTRIA DE MORTE” e tire suas próprias conclusões!

  9. Arlete said

    Para um fisioterapeuta ser chamado de médico, ele tem que cursar faculdade de Medicina. Para um nutricionista, idem. Não é o nome que muda, é a formação, o treino, a carga de conhecimento a que se é exposto.
    “Cada uma tem a sua legislação”, coisa nenhuma… O ato médico é uma tentativa de regularizar a Medicina, que não foi regularizada, ainda!

Some HTML is OK

(required)

(required, but never shared)

or, reply to this post via trackback.