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Alguns fundamentos da ciência

1. TODOS TENTAMOS ENTENDER O MUNDO

Todos temos dúvidas. Às vezes não entendemos o porquê de alguns acontecimentos com os quais lidamos habitualmente. Por exemplo, não entendemos por que nosso bebê chora apenas às 2h da madrugada; ou não somos capazes de compreender como nosso irmão ficou doente se estava saudável no dia anterior. Quando essas dúvidas ocorrem, ficamos ansiosos, e essa ansiedade só passa quando conseguimos explicar o porquê dos acontecimentos.

Em outras situações, temos dúvidas. Simplesmente queremos saber mais sobre o mundo. Como funciona a gasolina no carro? É possível criar um aparelho de TV tão pequeno que caiba no bolso? Por que o sol se move? Como podemos fazer com que nossas frutas nasçam mais bonitas? Apesar de algumas dessas dúvidas não serem acontecimentos que precisamos explicar com urgência, nossa curiosidade nos direciona a tentar explicá-los.

Um dos desejos fundamentais do ser humano é entender o mundo em que vive. Muitas vezes por necessidade. Outras vezes, por curiosidade. Qualquer que seja razão, o fato é que quanto mais conhecemos do mundo, mais habilmente podemos lidar com o que acontece nele. Quando entendemos por que as coisas acontecem, passamos a ter poder sobre elas: passamos a ser capazes de controlá-las e usá-las a nosso favor.

É por causa do nosso desejo de entender o que nos cerca, e por termos necessidade de compreender o mundo para vivemos melhor, que nos esforçamos por explicar aquilo sobre o que temos dúvidas. Formulamos hipóteses sobre os acontecimentos: nosso bebê chora às 2h porque é a hora que ele tem fome; nosso irmão estava saudável, mas ficou doente porque ontem não se alimentou direito; a melhor forma de lidar com a doença dele é, portanto, uma boa alimentação.

Formulando hipóteses, explicando os acontecimentos, nós nos tornamos preparados para lidar com eles se ocorrerem novamente. Voltando aos exemplos: agora que explicamos o comportamento do nosso bebê, já sabemos o que fazer às 2h, quando ele acordar; se nosso irmão ficar doente, tudo o que precisamos saber é se ele almoçou e jantou bem no dia anterior. Esses conhecimentos nos deixam confortáveis e seguros. Entender o mundo e saber como controlá-lo de acordo com a nossa vontade é um passo significativo para uma vida de qualidade.

2. QUAL É A MELHOR FORMA DE ENTENDER O MUNDO?

Somos capazes de formular explicações sobre os acontecimentos. Mas será que duas pessoas explicariam o mesmo acontecimento do mesmo modo? A Psicologia nos mostra que não. Cada um de nós é diferente do outro. Duas pessoas não percebem o mundo da mesma forma. Temos experiências únicas, expectativas únicas e conhecimentos únicos. Quando explicamos os acontecimentos, inevitavelmente utilizamos nossas experiências e expectativas nessa explicação.

Se cada um de nós explica as coisas de modo diferente, como saber qual dessas explicações é a melhor? Se considerarmos cegamente as particularidades de cada indivíduo, poderíamos responder a essa pergunta afirmando que todas as explicações são igualmente boas. No entanto, como pode haver mais de uma explicação possível para o mesmo acontecimento? Automaticamente dizemos a nós mesmos que uma delas deve estar errada. Sendo assim, como julgar, como escolher qual é a explicação que melhor corresponde à realidade? É para responder a essa pergunta que existe a ciência.

3. A CIÊNCIA É A MELHOR FORMA DE ENTENDER O MUNDO

A ciência é um método de obtenção de conhecimento. Ao dizermos método, estamos nos referindo às maneiras e regras específicas que são sugeridas a quem queira explicar e verificar como se relacionam diferentes acontecimentos. O objetivo da ciência é tornar a busca por explicações algo correto, fidedigno, honesto e socialmente compartilhado. Sabendo da importância do conhecimento na vida das pessoas, os cientistas se esforçam para produzir explicações cada vez mais próximas da realidade. Quanto melhores forem nossos conhecimentos, mais adequadamente e confortavelmente podemos viver.

As regras de obtenção de conhecimento propostas pela ciência são necessárias para evitar que o mesmo fenômeno seja explicado de muitos modos distintos. Seguindo o método científico, é esperado que todos nós cheguemos à conclusões relativamente semelhantes quando olhamos para o mesmo acontecimento. Isso não significa que essas conclusões são únicas e perfeitas. Outras pessoas podem melhorá-las ainda mais. E assim sucessivamente, em uma busca incessante pela explicação mais próxima da realidade.

Nesse momento, uma pergunta deve ter surgido. Se uma explicação científica não é permanente e única, qual é a vantagem dela em relação a explicações de outro tipo, como as que fazemos cotidianamente? A diferença é que as explicações dadas pela ciência passam por um extensivo controle de qualidade. A mudança de uma explicação para outra ocorre apenas se essa nova forma de explicar o mundo passar pelo mesmo extensivo controle de qualidade e se provar melhor do que sua predecessora.

4. OS PRINCÍPIOS DO MÉTODO CIENTÍFICO

Segue uma lista com alguns princípios do método científico e suas explicações. São esses princípios que permitem o controle de qualidade do conhecimento.

4.1. Evidências verificáveis
Esse talvez seja o princípio mais importante da ciência. Quando um cientista explica um fenômeno, deve fazê-lo de modo a tornar claro quais foram as evidências que o conduziram a essa explicação. Quando realiza um experimento no qual manipula variáveis, tem que explicitar detalhadamente cada um dos seus passos.

A exigência de que tudo que o cientista faça seja verificável tem a importante função de garantir que o cientista não está explicando o mundo baseado em expectativas pessoais. O conhecimento produzido por ele deve poder ser acessível a qualquer outra pessoa. Se outro cientista quiser repetir experimentos previamente realizados, deve ter dados suficientes para poder reproduzi-los em seus mínimos detalhes. Se os cientistas não tornassem claro que acontecimentos do mundo os levaram às suas conclusões, suas descobertas não seriam aceitáveis. Outros cientistas imediatamente questionariam essas descobertas, procurando por evidências que as comprovassem ou desmentissem.

Nas explicações que damos aos fenômenos cotidianos, não exigimos evidências de nós mesmos ou de nossos amigos. Muitas vezes confiamos neles. O perigo da confiança em conclusões não verificáveis reside na possibilidade de que nos comportemos de maneira inadequada. Voltemos mais uma vez ao exemplo do início do texto: talvez a doença do nosso irmão não seja realmente falta de alimentação; um médico poderia examiná-lo e dizer que ele pegou uma virose. Se compartilhássemos com nossos amigos nossa desconfiança de que nosso irmão ficou doente porque não comeu direito, poderíamos, sem querer, induzir esses amigos a não procurar um médico para lidar com doenças sérias de seus parentes.

Os cientistas não podem confiar em explicações subjetivas. Precisam de provas, de evidências. Por isso exigem que tudo seja verificável. Por isso realizam experimentos.

4.2. Verificação experimental
Esse princípio é derivado do princípio acima. Foi descrito que os cientistas necessitam explicitar o que os levou às suas conclusões. Mas isso não é suficiente para produzir um conhecimento de qualidade. Não basta apenas observar fenômenos para explicá-los. Para terem certeza da relação entre diferentes acontecimentos, os cientistas realizam experimentos para verificar essas relações.

Os experimentos envolvem a manipulação de eventos (acontecimentos, variáveis). Os cientistas manipulam algumas variáveis para verificar seus efeitos sobre outras variáveis. Uma variável é uma propriedade de um fenômeno que pode variar. A cor dos olhos, por exemplo, é uma propriedade que pode variar: existem olhos verdes, castanhos, azuis, etc. O peso pode variar, portanto, é uma variável. O tamanho também. Quando cozinhamos, podemos fazê-lo com diferentes temperos; ou seja, o tipo de tempero utilizado pode variar. O nosso grau de conhecimento de uma disciplina da graduação pode variar, portanto, isso também é uma variável.

Como dito acima, a experimentação envolve manipular uma variável para verificar seu efeito sobre outra. A variável que o cientista manipula é chamada de variável independente (VI): é ela que exerce o efeito sobre outra variável, a dependente. A variável dependente (VD) é, portanto, a variável que o cientista observa, aquela que é afetada pela variável independente. Dizendo de outro modo, a variável independente é a causa e a variável dependente é o efeito. Os cientistas, então, manipulam as causas e verificam seus efeitos.

A variável dependente é assim chamada porque ela depende, porque ela é efeito, da variável independente. Quando a variável independente é alterada, ela imediatamente provoca uma alteração na variável dependente. A variável independente é assim chamada porque ela é causa, sua alteração não depende de outras variáveis, mas apenas do experimentador.

Realizar experimentos é importante porque mostra, de forma verificável, a relação entre dois ou mais fenômenos. É somente testando as possíveis relações entre dois eventos (variáveis) que podemos ter certeza se um tem efeito sobre o outro, e qual é esse efeito. Ainda que o cientista exiba todas as evidências que o conduziram às suas conclusões, a forma mais eficiente de ele se provar certo é mostrando via experimentação que suas conclusões correspondem à realidade. Qualquer tipo de explicação que tenha sido formulada sem experimentação, é uma suposição.

4.3. Os fenômenos devem ser explicados de forma contextual (Determinismo Probabilístico)
No passado da ciência, os fenômenos eram explicados com base na noção de causa e efeito. Cada efeito tinha uma causa, cada causa produzia um efeito. Essa era uma perspectiva mecânica de como as coisas ocorriam. De acordo com os cientistas que explicavam o mundo assim, uma simples seqüência causa-efeito-causa-efeito-causa-efeito podia explicar todos os fenômenos existentes. Com a evolução da ciência, essa perspectiva deu lugar a uma explicação contextual e probabilística dos fenômenos. As palavras causa e efeito continuam sendo utilizadas, mas de forma mais flexível. Um efeito pode ter várias causas, uma causa pode produzir vários efeitos, e essas causas e efeitos podem se misturar.

É comum que os cientistas utilizem a palavra função ao invés de causa e efeito. Dizem que uma variável é função de outra. Com isso estão dizendo que a variável dependente funciona em relação à variável independente, ou seja, que seu funcionamento varia quando a variável independente varia. O conceito de função é mais abrangente do que o de causa e efeito, pois deixa implícita a possibilidade de que muitas variáveis dependentes sejam função de apenas uma variável independente, e de que muitas variáveis independentes podem influenciar no funcionamento de apenas uma variável dependente.

4.4. Os fenômenos têm causas naturais
Os cientistas devem ser guiados pela idéia de que todos os fenômenos têm causas naturais. Sendo assim, não é válido apelar para causas imateriais, ou sobrenaturais, para explicar o mundo. Esse princípio tem estreita relação com os princípios vistos acima. Como descrito, é necessário mostrar as evidências e realizar experimentações para garantir uma explicação adequada dos fenômenos. É impossível executar essas atividades com fenômenos sobrenaturais, que só podem ser compreendidos por meio da fé.

Na ciência não é admitida a existência do acaso. Se os fenômenos pudessem variar aleatoriamente não haveria ciência. Se não houvesse constância no mundo, jamais seria possível conhecer a relação entre dois fenômenos, pois a relação nunca seria igual. O método científico de explicação, portanto, pressupõe que existe certa uniformidade entre os eventos do mundo. É essa uniformidade que torna a ciência possível. Duas variáveis podem ser descritas como relacionadas porque é certo que toda vez que estiverem juntas, uma vai influenciar a outra.

Os resultados obtidos pela ciência são a principal comprovação do princípio de que tudo pode ser explicado por causas naturais. Nossos carros, aviões, celulares, Psicologia, casas, medicina, remédios, etc, são provas praticamente incontestáveis de que a ciência está certa. Se o método científico fosse falho, e se os fenômenos não fossem constantes, não poderíamos nos beneficiar das descobertas científicas. Um avião não voaria todas as vezes, se não houvesse uniformidade no mundo.

Apesar de ter demonstrado que todos os eventos são determinados por causas naturais, isto é, causas observáveis e verificáveis, os cientistas ainda não são capazes de explicar tudo o que acontece no mundo. Há muitos fenômenos psicológicos, por exemplo, que ainda não são inteiramente compreendidos. O mesmo com a física, a química, e assim por diante. O fato de existirem fenômenos não explicados não significa que eles jamais serão explicados. A história da ciência nos mostra que é apenas questão de tempo até que os mistérios se tornem conhecimento comum.

4.5. O conhecimento científico é acumulativo
A história do desenvolvimento da ciência tem demonstrado a importância que a comunicação entre cientistas tem para a evolução do conhecimento. Desde que o método científico passou a ser utilizado, muitos fenômenos foram revistos e ganharam novas explicações. Isso acontece porque os cientistas são ensinados a nunca se darem por satisfeitos. Sempre que uma nova descoberta é realizada, os cientistas desconfiam da qualidade dessa descoberta e a testam e re-testam para ter certeza de sua precisão. Ou seja, com base no conhecimento produzido por seus colegas, os cientistas criam e recriam experimentos em busca de melhores explicações.

É comum, portanto, que a explicação para um fenômeno mude. Isso ocorreu de forma grandiosa na Física, quando Einstein desafiou as idéias de Newton. O conhecimento desenvolvido por Newton continua sendo utilizado para se referir ao que acontece com objetos grandes, mas a explicação de Einstein foi além, mostrando uma explicação que lida bem com objetos grandes e objetos muito pequenos. Algo semelhante ocorreu com a Psicologia. Desde os primeiros experimentos de Wundt, a Psicologia mudou muito. Um exemplo mais específico foi o que ocorreu com Skinner, Watson, Pavlov e Thorndike. Baseado nos experimentos com animais de Pavlov, nos experimentos de Thorndike e no behaviorismo de Watson, Skinner fundou uma nova forma de psicologia científica, a análise do comportamento.

Algo importante deve ser observado. Einstein e Skinner não teriam sido capazes de revolucionar suas áreas se não tivessem se baseado nos conhecimentos produzidos pelos grandes cientistas que os precederam. O cientista Newton, após reformular a Física do seu tempo resumiu a importância acumulativa da ciência com uma célebre frase “Se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes”.

O fato de o conhecimento ser acumulativo ainda nos mostra algo mais: novas descobertas estão acontecendo o tempo todo. Por isso, não é válido argumentar que, se a ciência não explicou determinado fenômeno, ele deve ser obra do sobrenatural. É mais correto afirmar que se a ciência ainda não explicou um fenômeno é porque, até o momento, não desenvolveu ferramentas para entendê-lo em toda a sua complexidade. Não estar explicado não significa que nunca será explicado. A ciência tem demonstrado que tudo é passível de investigação.

4.6. A linguagem científica deve ser precisa e universal
Como pôde ser notado pelos princípios descritos acima, a ciência é um projeto coletivo, de ajuda e trocas mútuas. Para facilitar a comunicação entre diferentes cientistas, é necessária a utilização de uma linguagem precisa, correta e universal. Qualquer cientista, de qualquer lugar do mundo, necessita compreender um artigo, uma comunicação científica. É por meio de uma linguagem comum e universal que cientistas podem entender, colaborar e colocar à prova os conhecimentos produzidos por seus colegas. Se cada cientista utilizasse termos de sua preferência, a ciência se perderia da sua finalidade de ser um conhecimento para o bem público.

Robson Brino Faggiani

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O extraordinariamente complexo comportamento de dizer “oi”

O comportamento humano é incrivelmente elaborado. Decidi ilustrar sua complexidade e descrever suas três forças determinantes por meio da análise da aparentemente simples ação de dizer “oi”. Desse modo, ficará claro as nuances que uma análise do comportamento completa deve considerar.

Vamos imaginar uma pessoa andando pela rua. Quando ela encontra um velho amigo, com quem passou momentos divertidos, diz “oi”, sorrindo. É esse ato que vou analisar.

Todos os comportamentos humanos são uma mistura de três forças fundamentais: a genética ou a história da nossa espécie, nossa história pessoal, e a história do grupo ao qual pertencemos. Para entender um comportamento, temos que compreender um pouco de cada uma dessas forças e entender como elas influenciam as outras. Vamos estudar a ação de dizer “oi” começando pelo nível mais primitivo.

HISTÓRIA DA ESPÉCIE
Nossos corpos são idênticos aos dos humanos que viveram milhares de anos antes de nós. O que nos diferencia deles é a cultura: o acúmulo de conhecimentos e sua comunicação. Isso não muda o fato de que temos os mesmos cérebro, braços e coração há muitos e muitos anos. Nosso formato biológico é produto da evolução da espécie.

Uma das necessidades humanas básicas é a de estar em grupo. Humanos e outros animais possuem alguns “rituais” para manter a coesão da associação. Um desses rituais é um tipo de sinal que indica ‘paz’ ou, simplesmente, ‘ausência de conflito’. Pode ser um acenar, um balançar de cabeça ou a verbalização da palavra “oi”. A ausência desse sinal é interpretada como inimizade (isso foi verificado em humanos e em alguns outros animais, como macacos). A tendência de cumprimentar é, portanto, de origem biológica. Em outras palavras, nosso cumprimento habitual é uma forma aprimorada de um comportamento automático de nossa espécie, relacionada à vida em grupo. (vejam “Comunicação não-verbal”, da Flora Davis).

Há mais. Nosso protagonista sorriu ao ver o amigo. Rir também é um comportamento ‘automático’, que vem ‘de fábrica’: obra de nossa história evolutiva. A risada ‘honesta’ ocorre junto com emoções prazerosas e tem a importante função social de indicar aos outros como estamos nos sentindo. Ao ver a face alegre do protagonista que disse “oi”, o amigo sabe que está em uma situação segura e pode relaxar. Isto quer dizer que é provável que também exista ‘automaticamente’ em nós a capacidade de compreender um sorriso.

Dizer a palavra “oi”, por sua vez, é a síntese de uma série de capacidades humanas básicas. Possuímos um aparelho fonador moldado pela evolução: grupos capazes de emitir sons elaborados podiam se comunicar com eficiência, e esta é uma ferramenta poderosa para a sobrevivência da associação. Além disso, também é conseqüência da nossa história como espécie a habilidade de relacionar eventos arbitrários, tais como ligar a palavra “oi” com a situação de encontro entre duas pessoas. Ser capaz de utilizar um símbolo no lugar de um objeto é algo extremamente refinado e ligado à nossa herança cultural, mas esse comportamento não seria possível se não possuíssemos ‘de fábrica’ a possibilidade de fazer a ligação entre eventos tão distintos quando uma coisa e uma palavra.

Vamos mais longe.

HISTÓRIA PESSOAL
Cumprimentar provavelmente tem origem na história da nossa espécie, mas dizer “oi” não. Falar é possível por causa do nosso aparelho fonador, mas não falaríamos se não tivéssemos uma história de aprendizagem. Desde criança começamos a aprender. Relacionamos a voz dos nossos pais com suas faces e modo de andar. Somos ensinados que colocar o dedo na tomada dá choque. Aprendemos a pedalar uma bicicleta. E, claro, aprendemos a falar e a utilizar certas palavras para descrever e se referir a eventos e objetos.

Dizer “oi” envolve uma série dessas aprendizagens. Primeiro, precisamos ser capazes de emitir o som “oi”: essa conquista complicada é apenas o primeiro passo para uma utilização correta da palavra. Em seguida, ou simultaneamente, somos ensinados explicitamente, ou simplesmente observamos, em que situações costuma-se dizer “oi”. É nesse momento que percebemos que esta palavra é utilizada quando encontramos alguma pessoa conhecida, ou quando estamos nos apresentando a alguém. A partir daí relacionamos o evento da aproximação de uma pessoa com a palavra “oi” e a utilizamos corretamente.

No exemplo que estou analisando, o sorriso do nosso protagonista ao ver seu amigo é sincero. Mas quando encontramos alguém com quem não temos uma relação muito boa, também costumamos sorrir. Esse sorriso ‘falso’, ao contrário do verdadeiro, provavelmente é produto mais da nossa história pessoal do que da história da nossa espécie. Aprendemos que sorrir é correto e somos reforçados quando cumprimentamos alguém com um sorriso, ainda que ‘amarelo’. Além disso, cumprimentamos pessoas de quem não gostamos muito porque somos ensinados a evitar conflitos e a sermos educados.

O modo de cumprimentar também é produto de nossa história pessoal. Abraçar, esticar uma mão, dizer “oi”, levantar os braços, acenar, etc, são formas de cumprimento que aprendemos no decorrer da vida. Relacionamos cada forma de cumprimento com o grau de intimidade que temos com a parte cumprimentada (isto provavelmente também tem certa origem na história da espécie). Assim, abraçamos nossos amigos próximos, mas apenas acenamos para quem conhecemos há pouco tempo.

Todos esses aprendizados ocorrem porque nosso formato biológico permite. Analisamos brevemente duas forças envolvidas no comportamento. Agora podemos completar o trio.

HISTÓRIA CULTURAL
Dizer “oi”, como vimos, é uma confluência da nossa história como espécie e da nossa história pessoal. Mas a palavra “oi” é utilizada apenas pelos falantes de português. Um americano ou inglês falaria “hi”. Nossos hermanos, por sua vez, diriam “hola”. Cada grupo tem um conjunto específico de palavras e a origem desse conjunto é produto da história da cultura. Praticamente tudo o que aprendemos em nossa história pessoal é relacionado com a história da nossa comunidade.

No comportamento de cumprimentar alguém, a linguagem não é a única variante social envolvida. Japoneses costumam curvar seus corpos (o ângulo de curvatura tem relação com o status da pessoa cumprimentada). Árabes gostam de sentir os cheiros dos seus interlocutores. Por sua vez, dizem que os brasileiros se tocam mais do que os ingleses, por exemplo. Apesar de parecerem diferentes, todas essas formas de cumprimentar têm a mesma função: sinalizar ‘paz’ ou ‘ausência de conflito’.

As diferenças ‘culturais’ podem acarretar alguns problemas, quando não compreendidas. Além disso, não ocorrem apenas entre grandes grupos. Famílias diferentes têm práticas diferentes. Vamos voltar ao exemplo do rapaz cumprimentando o amigo. Ele disse apenas “oi” e sorriu; vem de uma família reservada. O amigo, por outro lado, vem de uma família extrovertida e estava esperando um abraço apertado. Essas diferenças culturais poderiam criar desconforto: de um lado, uma pessoa se sentindo rejeitada; de outro, um rapaz que tem certeza ter cumprimentado de modo correto. Ambos estariam corretos. O conflito terminaria somente com compreensão (mas este não é o assunto deste texto).

Agora que vimos o trio de forças envolvidas em nossos comportamentos, precisamos de uma conclusão.

SÍNTESE: SELEÇÃO PELAS CONSEQÜÊNCIAS
As histórias genéticas, pessoal e cultural são moldadas e mantidas por suas conseqüências. Por exemplo:

  • Genética: Ser capaz de relacionar eventos arbitrários existe ‘automaticamente’ em nós porque foi uma característica que permitiu nossa sobrevivência. É difícil saber quantas espécies que não possuíam essa capacidade foram extintas.
  • Pessoal: Dizemos “oi”, sorrimos ou abraçamos, porque esse comportamento costuma ser reforçado por um sorriso em retorno, ou por uma conversa amigável. Muito provavelmente, se disséssemos “bamoca” seríamos ignorados: nenhuma conseqüência manteria o comportamento.
  • Cultural: Em geral, as práticas culturais existentes são mantidas porque funcionam: produzem conseqüências positivas. Em uma cultura saudável, práticas que deixam de produzir tais conseqüências são substituídas por outras, mais funcionais. Talvez no passado os brasileiros cumprimentassem mais estranhos do que hoje; o aumento da violência pode ter modificado essa prática e reduzido os cumprimentos a pessoas conhecidas ou a lugares ‘seguros’.

Vejam quanta análise é possível para o comportamento de dizer “oi”. Uma análise do comportamento adequada deveria considerar essas três forças determinantes. Todas elas têm sua parte em praticamente todos os comportamentos que emitimos (apenas os reflexos e relações respondentes não entram na conta). Quando compreendemos o comportamento como o evento que marca a reunião desses três determinantes, fica claro como mesmo um ato simples como dizer “oi” envolve acontecimentos de diferentes naturezas: somos extraordinariamente complexos.

Não somos apenas o resultado dos nossos genes, nem simplesmente folhas em branco escritas pela aprendizagem, muito menos meros produtos sociais. Somos a maravilhosa fusão dessas três forças fundamentais.

Robson Faggiani

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Falsas memórias – parte 1

Nem todas as memórias que temos são reais. Pesquisadores descobriram ser comum a existência e criação de memórias sobre fatos que nunca ocorreram. Elas podem variar de pequenas distorções de fatos passados a histórias complexas e elaboradas criadas sem nenhuma base real. Essas memórias distorcidas e inventadas são chamadas de falsas memórias, e podem definir nossos sentimentos e comportamentos atuais. Há alguns casos estupendos:

Como narrado aqui, uma enfermeira chamada Nadean Cool procurou um psiquiatra. Depois de algumas sessões de hipnose, lembrou-se de ter participado de cultos satânicos, de ter comido bebês, de ter sido estuprada, ter feito sexo com animais e de ter participado da morte de um colega. Eventualmente, Cool descobriu que nada disso havia ocorrido. Todas as lembranças eram falsas, e haviam sido implantadas acidentalmente por seu psiquiatra. Ela o processou e ganhou a causa, mas não há dúvidas de que foi permanentemente afetada.

Em seu livro de divulgação científica “O mundo assombrado pelos demônios”, Carl Sagan conta a história de uma jovem que procurou ajuda terapêutica. A garota descobriu que, quando mais nova, sofria abuso sexual do pai. A história de confirmou: o pai também passou a se lembrar de ter abusado da filha; terminou na prisão. Anos mais tarde, pai e filha descobriram que nenhuma daquelas memórias terríveis retratavam a realidade. Apesar da feliz descoberta, o estrago criado pelas sugestões do terapeuta já estava feito: o pai havia ido para a cadeira e, provavelmente, a relação com sua filha jamais voltaria a ser a mesma.

Essas duas histórias são fantásticas e verdadeiras, mas nem toda modificação de memória, ou criação de novas memórias, é tão espetacular. Nesta notícia, comenta-se do caso de um ator que passou a detestar ovos cozidos depois que foi sugerido a ele que, quando menor, queimou a mão com um ovo quente. Há muitos mais exemplos, ricos em diversidade. Pesquisem também. Sugiro que comecem lendo tudo o que está nesse link (o mesmo do segundo parágrafo).

As falsas memórias são criadas por meio de sugestões intencionais ou acidentais. Também podem ser criadas por estímulos do cotidiano. Em todos os momentos se está suscetível a ter as memórias modificadas e, por conseguinte, passar a pensar e sentir de forma enganosa sobre si próprio e os outros.

As pesquisas sobre falsas memórias colocam em cheque a veracidade dos relatos humanos. Mostram a necessidade de novas tecnologias para avaliar a adequação do que as pessoas falam. Atualmente, procura-se identificar o que acontece no cérebro quando se fala a verdade e quando se está mentindo. Mas, no caso de falsas memórias, essa tecnologia pode ser inadequada: as memórias são interpretadas pelo falante como verdadeiras, sejam falsas ou não. Será preciso ir ainda mais longe.

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Na próxima parte da série, vou comentar sobre a influência do psicólogo sobre as memórias do cliente.

Robson Faggiani

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O pensamento controlando comportamento

Este texto tem o objetivo de apresentar como a análise do comportamento compreende o controle do pensamento sobre a atividade humana. Foi originado da minha percepção de que muitos estudantes de graduação têm preferência pela psicologia cognitiva em função de esta abordagem falar diretamente sobre a influência do pensamento sobre comportamentos e sentimentos. De modo geral, os estudantes percebem a análise do comportamento como uma disciplina incompleta por não falar diretamente sobre essa influência. Neste texto, vou descrever brevemente sobre a origem do controle pelo pensamento e as diferenças entre a pespectiva cognitiva e a perspectiva comportamental.

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1. Perspectivas diferentes

1.1. Psicologia Cognitiva

A psicologia cognitiva afirma que o pensamento controla o comportamento. Nesta afirmação está implícita a idéia de que pensamentos e comportamentos são de diferentes naturezas, no caso, de que o pensamento é de natureza mais nobre do que o comportamento. Essa perspectiva se chama dualista, pois afirma que o homem é divido em duas partes: mente (abstrato) e corpo (concreto). O problema dessa perspectiva é que ela conduz os cientistas a enfatizarem o pensamento (mente) no controle sobre o indivíduo, e a deixarem a influência do ambiente (concreto) em segundo plano. Fica faltando, portanto, na perspectiva cognitiva, compreender como os eventos ambientais formam o pensamento.

(Alguns psicólogos cognitivos afirmam não separar corpo e mente. Ainda que não os separem filosoficamente, inevitavelmente os separam teoricamente, não fugindo do problema descrito acima).

Para os psicólogos cognitivos, o controle do comportamento funciona como segue (a palavra pensamento está grifada para deixar claro a ênfase emprestada a ela pela psicologia cognitiva):

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eventos ambientais —> pensamento —> comportamento

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Nesse modelo, o pensamento exerce o principal papel na regulação do comportamento, podendo ser tão poderoso que conduz as pessoas a psicopatologias.

O pensamento influencia o modo como o indivíduo percebe o mundo e lida com os acontecimentos. Sendo assim, o objetivo do terapeuta cognitivo é modificar os pensamentos disfuncionais do cliente, de modo que as situações sejam interpretadas sem distorções e o indivíduo possa levar uma vida saudável.

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1.2. Análise do comportamento

A análise do comportamento reconhece a importância do pensamento, seja verbal ou não-verbal, no controle do comportamento. No entanto, tem uma teoria um pouco diferente daquela da ciência cognitiva. Para os analistas do comportamento, o indivíduo é um ser integrado, sendo impossível separá-lo entre mente e corpo. Essa perspectiva conduz à idéia de que tudo que o indivíduo faz é concreto: pensamentos, desejos, sentimentos, imaginação, etc. Ou seja, todos os eventos humanos são de mesma natureza e, portanto, são controlados da mesma forma e obedecem aos mesmos princípios. Em poucas palavras, analistas do comportamento lidam com pensamentos e sentimentos, mas dão a eles o nome de comportamento.

Uma questão é apresentada: comportamentos (pensamentos), então, podem controlar comportamentos? Podem, sim. Existe uma abundante literatura sobre o conceito de regras, que trata dos meios pelos quais a verbalização controla o que o indivíduo faz. Os pesquisadores procuram compreender como o comportamento verbal (seja de outros ou o próprio) controla as ações de um indivíduo.

Os estudos sobre comportamento verbal começaram em 1957, com Skinner, mas se intensificaram a partir dos anos 80. Atualmente, as idéias de que comportamento verbal (seja público, ou privado [pensamento]) exerce controle poderoso sobre o comportamento não-verbal e que pode influenciar a maneira como interpretamos o mundo são amplamente aceitas. Além de pesquisar sobre essas relações, os analistas do comportamento procuram identificar as situações em que o controle verbal é mais poderoso, e as situações em que ele não produz grande influência sobre o comportamento não-verbal.

Para os analistas do comportamento, o controle do comportamento funciona como segue (o termo ambiente está sublinhado para atestar a ênfase emprestada a ele):

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ambiente ——> pensamento ———-> comportamento ——->ambiente
(antecrespconseq)…………(antecrespconseq)

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Para os analistas do comportamento, saber da origem do pensamento é tão ou mais importante do que estudar sua influência sobre o comportamento.

Note-se que tanto pensamento (encoberto) quanto comportamento (público) são compreendidos como a relação entre estímulos antecedentes à resposta, resposta e estímulos conseqüentes à resposta. Na verdade, são os produtos da resposta de pensar que controlam o comportamento não-verbal. (neste texto, estou deixando implícito que o pensamento é verbal, mas Skinner, em 1957, afirmou que existem também pensamento não-verbal, formado por imagens, sons, etc).

É válido, nesse momento, compreender de onde vem o controle verbal e como ele pode se tornar inadequado.

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2. A origem do controle verbal, e seus problemas

Desde bebês, recebemos instruções verbais e ouvimos descrições sobre o ambiente que nos cerca. Nossos pais nos recompensavam quando seguíamos suas instruções e nos puniam quando não as seguíamos. Aprendemos, portanto, desde que nascemos, que devemos obedecer ao que os outros nos dizem. Em outras palavras, nosso comportamento de seguir instruções depende do quanto fomos reforçados a fazê-lo. Conforme crescemos, vamos nos tornando falantes experientes e passamos a utilizar o controle verbal sobre nós mesmos. É um processo longo, que se inicia com falas apenas públicas e evolui para falas privadas (pensamentos).

Nosso comportamento verbal nos ajuda a regular o que estamos fazendo, a organizar nossas ações e a compreender o que acontece no ambiente. Criamos regras (descrições) sobre como o mundo funciona e nos comportamos de acordo com elas, estejam corretas ou não. Está demonstrado em pesquisa que nos comportamentos em função do nosso próprio comportamento verbal ainda que isso nos prejudique (veja bibliografia abaixo).

Como afirmado acima, o comportamento verbal (pensamento) nem sempre é preciso. Muitas vezes podemos nos comportar de maneira inapropriada porque formulamos regras inadequadas sobre o mundo. Por exemplo, podemos deixar de ir trabalhar porque formulamos a regra “as pessoas do meu trabalho não gostam de mim”, sem avaliarmos o modo como nos comportamos em relação a elas. Ou desistimos de uma paquera por criarmos a regra “hoje ela não me cumprimentou, acho que não está interessada”, sem consideramos o fato de que ela pode não ter nos visto. Esses são exemplos de regras que podem nos privar de situações importantes, e que necessitam ser alteradas.

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3. Mudando as regras inadequadas do cliente

Quando a interpretação que um indivíduo faz de uma situação está incorreta, pode ocasionar uma maneira de agir que produz sofrimento. Uma das funções do terapeuta é modificar as interpretações insalubres do cliente sobre a realidade, de modo que ele passe a se comportar satisfatoriamente. Para cumprir essa função, o terapeuta procura mostrar ao cliente maneiras alternativas de interpretar o mundo, questionando suas regras e o incentivando a se comportar de forma diferente para desafiar seu comportamento verbal inadequado.

De certo modo, essas ações são semelhantes ao que os terapeutas cognitivos chamam de reestruturação cognitiva e modificação de pensamentos disfuncionais. Os analistas do comportamento chamam de mudança de regras. A diferença entre ambas as formas de lidar com o problema é que os terapeutas comportamentais compreendem a formulação de regras em uma perspectiva contextual, avaliando quais elementos do ambiente contribuíram para a criação dessas regras, incluindo a história de seguimento de instruções do indivíduo. Além disso, procuram não apenas mudar comportamento verbal (pode-se dizer “pensamentos”), mas também sugerem a execução de novos comportamentos que alterem o ambiente de forma positiva. Os terapeutas comportamentais, em outras palavras, não lidam apenas com o pensamento e o sentimento, mas também com o ambiente “externo” do cliente. Muitos terapeutas cognitivos, reconhecendo a importância das técnicas comportamentais, utilizam-nas largamente como suplemento à modificação do pensamento (prática que deu origem à terapia cognitivo-comportamental).

Pesquisas do grupo de Catania, de Torgrud e Holborn, além de sugestões de outros autores, demonstraram algumas formas mais fáceis de modificar regras:

a. É mais fácil mudar o pensamento de alguém modelando o que a pessoa fala do que instruindo o que a pessoa deve pensar. Ou seja, é mais efetivo apenas fornecer material para a mudança de regras (dicas, perguntas, etc) e permitir que o cliente modifique suas conclusões e pensamentos por si só. É mais efetivo que o cliente perceba que ele mesmo mudou seus pensamentos.
b. Ensinar o cliente como deve falar sobre seu comportamento é mais efetivo do que ensiná-lo sobre como falar sobre o ambiente. Essa prática, porém, conduz ao problema de não dar ao cliente ferramentas para interpretar novas situações. Recomenda-se, portanto, que se ensino a compreender o mundo e como se comportar.
c. É mais fácil modificar pensamentos sobre situações complexas e de difícil interpretação do que de situações simples e de fácil interpretação.
d. Modificar pensamentos do cliente é mais fácil quando ele confia no terapeuta e possui um histórico de obediência a regras.

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4. Conclusão

Tanto terapeutas cognitivos quanto comportamentais preocupam-se com a influência do pensamento, ou controle verbal, sobre o comportamento. Ambas as perspectivas já foram testadas cientificamente com bons resultados. A diferença é que enquanto os terapeutas cognitivos dão ênfase maior ao papel do pensamento, os terapeutas comportamentais preocupam-se principalmente com a situação ambiental que produziu esse pensamento.

Um aspecto positivo da literatura da análise do comportamento sobre controle verbal é a preocupação em realizar pesquisas empíricas que demonstram como as regras modificam atividades não-verbais. Outro aspecto positivo é a amplitude dessa literatura, que considera não apenas o efeito das regras das pessoas sobre seu próprio comportamento, mas também o efeito das regras de outras pessoas sobre o comportamento dos indivíduos. A literatura, ainda, trata das diferenças entre comportamento controlado por regras e comportamento controlado por contingências.

Na minha opinião, a literatura comportamental é mais precisa ao falar de controle verbal. Além de estar baseada em muitas pesquisas, sugere atenção tanto as regras em si quanto ao ambiente responsável pela formulação do comportamento verbal. Finalmente, e mais importante, prefiro porque é uma forma de trabalhar o cliente que dá conta de explicar como o pensamento afeta o comportamento sem necessitar separar o indivíduo em corpo e mente.

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5. Bibliografia, e um aviso final

Este texto está bastante simplificado. A literatura sobre controle verbal é extensa e complexa. Neste texto, foi feito apenas um resumo superficial dos dados. Alguns termos foram utilizados como sinônimos, mas possuem pequenas diferenças. A leitura da biblografia indicada é fortemente recomendada.

Livros e textos que basearam esse texto:

Judith Beck. Terapia Cognitiva: Teoria e Prática. (Livro).
Maria Amélia Matos.
Comportamento governado por regras. (Artigo).
Sonia B. Meyer. Regras e auto-regras no laboratório e na clínica. (Capítulo do livro: Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação).
Sonia B. Meyer e colaboradores. Subsídios da obra “Comportamento Verbal” de B. F. Skinner para a terapia analítico-comportamental. (Artigo).
Albuquerque e colaboradores.
Investigação do Controle por Regras e do Controle por Histórias de Reforço Sobre o Comportamento Humano. (Artigo).
Medeiros.
Comportamento verbal na terapia analítico comportamental. (Artigo).
B. F. Skinner. Comportamento verbal. (Livro).
Catania e colaboradores. Instructed versus shaped human verbal behavior: Interactions with nonverbal responding. (Artigo).
Catania e colaboradores. Uninstructed human responding: sensitivity to ratio and interval contingencies. (Artigo).
Catania e colaboradores.
Uninstructed human responding: Sensitivity of low-rate performance to schedule contingencies. (Artigo).
Torgrud e Holborn. The effects of verbal performance descriptions on nonverbal operant responding. (Artigo).

Robson Brino Faggiani

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As habilidades necessárias para um psicólogo – parte 4 (final) – conhecer as pessoas

No segundo texto dessa série, falei sobre a importância do psicólogo ter empatia. Mais do que isso, no entanto, o psicólogo precisa ter um conhecimento geral de como funciona o comportamento humano e do que as pessoas precisam. O profissional de saúde lida com desejos, expectativas, sentimentos, necessidades, etc. Conhecer características comuns das pessoas ajuda a intervir de maneira mais eficiente.

De forma simplista, é possível dizer que as pessoas procuram o que lhes faz bem e evitam o que as incomoda. É a regra geral. A idéia é simples, mas pode confundir. Tem-se sempre que considerar o que é bom e ruim na concepção do cliente, e não aos olhos do psicólogo. Por exemplo, um indivíduo masoquista obtém prazer com a dor. Pode parecer estranho para quem não tem esse prazer, mas o masoquista se satisfaz, sim, com a dor. O referencial é SEMPRE o cliente.

Os indivíduos são imensamente diferentes entre si, e nenhuma afirmação sobre a espécie pode ser generalizada. No entanto, é possível fazer uma lista de alguns desejos e vontades compartilhados por muitas pessoas: ser ouvido, ser compreendido, ser amado, receber toques físicos, fazer sexo, ter sucesso profissional, ser um cônjuge amoroso, ser um pai ou filho amoroso, receber amor do cônjuge, receber amor dos pais e filhos, ter sucesso intelectual, ter amigos e ser reconhecido pelo que faz. Ou seja, de modo geral, as pessoas precisam de contato social prazeroso, contato físico prazeroso, sucesso e reconhecimento nas atividades realizadas. Alerta: isso é uma simplificação, não abrangendo de forma alguma toda a complexidade humana, mas é um ponto de partida interessante para análise.

Pessoas que procuram por terapia comumente estão com problemas em uma ou mais áreas listadas acima. Depressão, por exemplo, pode ser causada por falta de contato social ou por falta de sucesso nas atividades realizadas. Síndrome do pânico pode ocorrer quando o indivíduo não está dando conta de todas as suas atividades e não tem apoio afetivo adequado. Fobias são mais viscerais, mas mesmo algumas delas têm componentes afetivo-sociais, como a timidez exagerada ou o medo de multidões.

Outro ponto importante. Além do problema específico trazido pelo cliente que chega à terapia, muito provavelmente ele também necessita ser ouvido e compreendido. Particularmente, jamais atendi um cliente que não se beneficiou da atenção e compreensão que eu mostrava a ele. Esse ato aparentemente tão simples pode produzir resultados fantásticos. Sugiro que ouçam com atenção e deixem claro que estão lá para ajudar o cliente.

Um conselho que considero fundamental é: antes de fazer um diagnóstico ou planejar uma intervenção, tenha bastante certeza das perdas sociais, afetivas e da percepção que o cliente tem de sua capacidade. Independente do problema, conhecer as faltas nessas áreas e ajudar o cliente a superá-las pode ser a diferença entre um tratamento focado apenas na queixa e um tratamento realmente humano e abrangente.

Conhecer as pessoas requer bom senso e percepção. Todos temos muito a aprender. Mas, por sorte, temos as teorias para nos ajudar. Um começo um tanto ultrapassado e criticado, mas ainda interessante, sobre as necessidades das pessoas está na pirâmide de Maslow.

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Esse texto encerra a série sobre as habilidades necessárias a um psicólogo. Caso queiram saber mais sobre o tema, ou percebam que uma habilidade importante não foi discutida, fiquem à vontade para comentarem.

Robson Faggiani

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A importância do cliente no sucesso terapêutico

Em um comentário que li aqui recentemente, o psicólogo inglês Mike Cooper afirma que é o cliente o responsável pelo sucesso terapêutico. Essa idéia está em seu livro “Essential Research Findings in Counselling and Psychotherapy: The Facts are Friendly” (Descobertas de pesquisa essenciais em aconselhamento e psicoterapia: os fatos são amigáveis). Infelizmente, é preciso comprá-lo para entender a origem da idéia de Cooper. De todo modo, vale a pena discuti-las, supondo-as todas corretas:

De acordo com Cooper, os clientes são realmente ajudados por seus psicoterapeutas, mas são principalmente sua própria motivação e vontade de mudar que promovem o sucesso no tratamento. O autor acredita que a principal função do psicoterapeuta é fortalecer os pontos fortes do cliente, de modo a torná-lo capaz de mudar a si mesmo por meio desses pontos fortes. Nesse sentido, Cooper sugere aos clientes que procurem terapeutas (e formas de terapia) cujas intervenções sejam compatíveis com sua maneira de lidar com o mundo.

O autor também afirma que boa relação terapêutica é um forte indicativo de sucesso no tratamento, sendo um fator mais importante do que a abordagem ou técnicas particulares utilizadas pelo terapeuta. Ou seja, é a qualidade da relação entre cliente e terapeuta, se são honestas uma com a outra, se compreendem o que dizem, se têm respeito um pelo outro, que facilita a melhora do cliente.

DISCUTINDO AS AFIRMAÇÕES
Algumas afirmações de Cooper devem ser entendidas com reservas. Há diversas pesquisas mostrando que determinadas formas de terapia são mais bem sucedidas do que outras para lidar com psicopatologias específicas. Vejam aqui. Ou seja, a abordagem importa sim. Mais pesquisas precisam ser realizadas, no entanto, para investigar o peso da relação terapêutica e o peso da habilidade do terapeuta no sucesso do tratamento.

Com relação à motivação do cliente, é difícil discordar de Cooper. Essa informação, em ouvidos atentos, pode produzir uma modificação nas primeiras sessões de psicoterapia. Se Cooper estiver correto, o terapeuta deve ter como objetivos iniciais (1) formar um bom vínculo terapêutico e (2) mostrar ao cliente sua importância no sucesso do tratamento. O segundo objetivo pode ser alcançado com incentivos e atenção especial a verbalizações do cliente que mostram comprometimento, e com explicações detalhadas acerca de como será a intervenção e sobre como o cliente pode potencializá-la.

Um último ponto a ser discutido é a posição confortável que alguns terapeutas podem adotar com relação às suas habilidades e intervenção. “Se é o cliente o responsável pela terapia, a culpa do fracasso não será minha”. Esse pensamento não é correto. Como mostra o site que indiquei acima, diferentes terapias têm, sim, níveis de sucesso diferentes. Além disso, formar um boa relação terapêutica e motivar o cliente requerem conhecimento teórico, prático e humano. Um bom psicólogo faz, sim, boa terapia.

Robson Faggiani

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Como escolher uma abordagem – parte 2 (final)

Para escolher uma abordagem, é necessário conhecer sua (1) filosofia de homem, (2) a maneira como descreve as relações dos homens com o mundo e (3) seu sistema de intervenção, críticas e pesquisas sobre seus resultados. Neste texto, discutirei brevemente cada uma dessas características. O objetivo é que, em posse de informações, os estudantes possam decidir melhor sua abordagem.

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FILOSOFIA

Vou explicar sobre filosofia de forma bem simplificada. As diferentes abordagens compreendem o humano de maneiras particulares. Enquanto a psicanálise e a análise do comportamento são deterministas, o humanismo e o existencialismo descrevem o homem com mais liberdade. Há abordagens que consideram o homem como um ser indivisível (análise do comportamento e alguns cognitivistas) e outros o separam em mente e corpo (psicanálise, humanismo). Algumas abordagens consideram o homem como um ser com uma busca, outras não estipulam qualquer natureza humana.

Antes de escolher uma abordagem, é necessário investigar qual delas tem uma visão de homem mais compatível com a maneira como você compreende o mundo. Outra opção é se deixar convencer por novas visões de homem. Abordagens mais voltadas para a ciência tendem a ser mais deterministas e não estabelecer natureza humana; abordagens mais filosóficas entendem o homem como um ser em busca de realização, mas possuem pouca ou nenhuma confirmação de seus resultados. A melhor alternativa é estudar e estudar antes de escolher.

HOMEM E MUNDO E OBJETO DE ESTUDO
Um pouco baseada na filosofia, cada abordagem tem uma teoria de como homem e mundo se relacionam. A abordagem cognitiva, por exemplo, enfatiza a importância do pensamento na construção dos comportamentos e sentimentos. A psicanálise foca processos inconscientes como os determinantes do homem. A análise do comportamento, por sua vez, enfatiza mais variáveis ambientais que estão fora e dentro do homem como causas dos comportamentos.

O aluno também deve prestar atenção ao objeto de estudo de cada abordagem. Para os analistas do comportamento, por exemplo, a Psicologia deve estudar o comportamento, compreendido como relação entre respostas externas e internas e o ambiente externo e interno. Os psicanalistas preocupam-se com a dinânica dos investimentos inconscientes. A ciência cognitiva foca pensamentos, crenças e regras. Novamente, somente estudo pode ajudar o estudante a tomar uma decisão.

SISTEMA DE INTERVENÇÃO E PESQUISAS
A filosofia e a teoria sobre a relação homem e mundo determinam o sistema de intervenção de uma abordagem. Há indicações sobre como lidar com todos os transtornos conhecidos? Existe uma literatura detalhada sobre intervenções em diferentes contextos? Existem pesquisas mostrando a efetividade das intervenções propostas? Como são feitas as críticas a cada abordagem?

A melhor maneira de responder a essas perguntas é procurar por revistas científicas (ou journals internacionais) sobre a abordagem. Livros podem ajudar, mas é nos artigos que as intervenções são, de fato, avaliadas. Na sessão de links existem indicações de sites de procura de artigos.

DICA MINHA
Pessoalmente, escolhi a minha abordagem baseado em sua estreita relação com a ciência. Conheço colegas que escolheram abordagens por elas terem sistemas teóricos FÁCEIS de serem aprendidos. Outros, por preferência estética (a abordagem falava de modo bonito). Acredito que meus colegas tomaram a decisão errada.

Psicólogos são profissionais que lidam com pessoas em dificuldades. Temos que oferecer a elas um serviço de qualidade, e não um serviço baseado em nossas preferências. Portanto, sugiro que você escolha uma abordagem analisando, prioritariamente, seus resultados e pesquisas. Lembre-se que você será um profissional e deve ser competente ao intervir.

Boa sorte.

Robson Brino Faggiani

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As habilidades necessárias para um psicólogo – parte 3 – conhecimento teórico


Nessa série de textos, já discuti as importantes habilidades de se comunicar e de ouvir. Um bom psicólogo deve também ter conhecimento teórico. A teoria é o primeiro passo para uma prática bem sucedida, é com base nela que o profissional inicia seu trabalho de avaliação e intervenção. Mas, o que é preciso conhecer?

Toda abordagem psicológica tem, basicamente, os mesmos elementos: uma concepção filosófica do que é o homem, um corpo de hipóteses do porquê o homem é como é, teorias sobre como o homem e o mundo se relacionam, e técnicas de intervenção baseadas nos três elementos anteriores (esses elementos serão discutidos na série sobre “Como escolher uma abordagem”).

Um bom psicólogo deve conhecer detalhadamente cada uma dessas quatro características de uma abordagem. Elas fornecem as ferramentas para a avaliação e intervenção psicológicas. Um psicólogo sem conhecimento teórico, ou que conhece pouco de cada teoria, dificilmente conseguirá avaliar seu cliente de maneira adequada, e terá dificuldades em plajenar uma intervenção eficiente.

Aplicar Psicologia não é aplicar senso comum. As teorias são resultado de décadas de pesquisa e reflexões sobre o comportamento humano e sobre como modificá-lo. É a partir delas que o psicólogo cria hipóteses e as verifica. Finalmente, as teorias constituem o conhecimento que o psicólogo tem disponível sobre o ser humano; um conhecimento baseado ora em características gerais das pessoas, ora em suas particularidades.

Depois de formado, quando lida com um caso inédito, um psicólogo muitas vezes não tem a quem recorrer senão a teoria. Deve saber buscar o material, interpretar as idéias e transformá-las em práticas a serem aplicadas. Felizmente, existe uma infinidade de materiais sobre diferentes psicopatologias e modos específicos de tratamento baseados em abordagens. O acesso a esses materiais é relativamente fácil.

Prova da importância do conhecimento teórico é a freqüente busca de profissionais recém formados por cursos de formação e especialização. Apesar de esses cursos serem importantes, é na graduação que existe a inestimável oportunidade de entrar em contato com a maior quantidade de teorias possíveis. A melhor forma de desenvolver conhecimento teórico é estudando textos originais dos autores preferidos. Os professores podem ajudar nessa tarefa, indicando livros que são considerados clássicos e, principalmente, fornecendo ferramentas de como buscar literatura adequada.

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No último texto da série, vou discutir uma habilidade fundamental para um psicólogo: conhecer as pessoas. E, por conhecer as pessoas, estou me referindo ao que as pessoas desejam e precisam.

Robson Faggiani

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Como escolher uma abordagem – parte 1

É bastante comum que os alunos do curso de Psicologia tenham dúvidas sobre qual abordagem seguir profissionalmente. Não é realmente uma escolha fácil. De certo modo, a escolha da abordagem é como uma segunda opção de profissão. Neste texto vou comentar sobre alguns fatos que os alunos devem considerar antes de tomar essa decisão.

Existe um pensamento um pouco enganoso na Psicologia. Afirma-se que a pluraridade de abordagens é desejável, que torna a área rica e com muitas possibilidades. No entanto, ter muitas opções só é algo positivo quando a maioria delas tem qualidade. É difícil definir “ter qualidade”, mas creio ser de concordância geral que, no mínimo, uma abordagem deve ter uma estrutura filosófica e teórica coerentes, ser capaz de explicar uma grande variedade de fenômenos, ter eficácia comprovada (preferencialmente com demonstração científica) e ser aplicável a uma grande quantidade de problemas práticos.

Como dito acima, escolher uma abordagem é como selecionar uma segunda profissão. A Psicologia é uma área muito ampla e as abordagens são imensamente diferentes entre si. Elas diferem em filosofia, objeto de estudo, teoria, linguagem, formas de pesquisa, dados científicos e práticas de intervenção. Todas essas características resultam em perspectivas muito particulares de como perceber o homem e como lidar com ele profissionalmente, e resultam em certas expectativas de postura do psicólogo. Antes de escolher qual forma de perceber a Psicologia e as pessoas é melhor para você, atente para essas diferenças.

Infelizmente, ser plurarista, utilizar um pouco de cada perspectiva não é uma solução adequada. Para começar, muitas características das abordagens são incompatíveis entre si, ou seja, juntar elementos pode resultar em um Frankenstein desajeitado e nada efetivo. Em segundo lugar, estudar um pouco de cada abordagem jamais permitirá que realmente se conheça profundamente um sistema teórico e de trabalho; a especialização é necessária, pois está intimamente ligada à qualidade profissional. Finalmente, formar uma colcha de retalhos transforma o psicólogo em um “despatriado”; possivelmente, nenhum colega vai considerar seu trabalho produtivo se ele for composto por uma montagem incompatível.

O primeiro e mais importante passo para escolher uma abordagem é não acreditar em seus professores. Vá além do que eles falam: procure textos, critique, tente responder as críticas, leia livros dos principais autores das abordagens. Deixe-se, sim, encantar pelo professor, mas não fique apenas no encanto. As abordagens são muito mais do que é possível explicar em sala de aula: têm história, passaram por crises, possuem conflitos internos, foram bem sucedidas em alguns países e expulsas de outros, regrediram, evoluíram, e assim por diante. É extremamente arriscado escolher uma abordagem sem conhecer seus autores e sua história. A dica de ouro, então, é: pesquise, estude, analise.

Já ouvi muitas pessoas dizerem que não é o psicólogo que escolhe a abordagem, mas o contrário. Talvez haja um pouco de verdade nessa afirmação. Alunos de Psicologia chegam ao curso com um conjunto de expectativas e opiniões. É natural que algumas abordagens sejam preferidas em função da história de vida do aluno. No entanto, preferência não é a melhor forma de escolha. As características da abordagem devem receber grande atenção dos estudantes. São essas características que começarei a discutir no próximo texto.

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Novamente, peço que entrem em contato para darem opiniões e sugerirem bons critérios de avaliação de uma abordagem.

Robson Faggiani

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Uma pergunta interessante

Essa semana fiz a mim mesmo uma pergunta interessante, relacionando algumas informações que tenho sobre psicanálise com outras que tenho sobre análise do comportamento. Respondi de acordo com a análise do comportamento, mas gostaria que algum leitor mais conhecedor de psicanálise desse também uma resposta. A pergunta envolve a afirmação psicanalítica de que tratar os sintomas, e não as causas de uma psicopatologia, não resolveria o problema da pessoa, que ressurgiria em novos sintomas.

Um exemplo de um livro folheado recentemente: uma pessoa com medo de barco (sintoma) porque teve uma relação sexual, que ela considerava imoral (causa), em um barco.

Dizem os psicanalistas que se apenas o medo de barco fosse tratado, outro sintoma, como medo de mar, apareceria. Para iniciar, como surgiu o sintoma medo de barco? Sendo que a relação sexual considerada imoral era algo difícil de ser admitido pela pessoa, ela deslocou uma certa quantidade de energia psíquica dessa relação sexual para o barco. Projetou seu desconforto no barco, mais fácil de ser evitado. Ter medo de barco é mais aceitável do que admitir para os outros, e para si mesma, ter tido uma relação sexual imoral. (essa explicação foi baseada no texto lido. Se incorreta, avisem-me para que eu a corrija imediatamente).

Suponhamos um terapeuta inexperiente (independente de abordagem), que não chega à causa, mantendo-se apenas no sintoma. Será que lidar somente com o sintoma não faria com que, automaticamente, a pessoa passasse a se lembrar e falasse espontaneamente sobre a causa? ESTA É A PERGUNTA. Aplicada ao exemplo: será que lidar somente com o medo de barcos não faria com que, automaticamente, a pessoa passasse a se lembra e falasse espontaneamente sobre a relação sexual?

Pela teoria, a análise do comportamento responde que sim. O barco estaria, nesse caso, intimamente relacionado com a relação sexual. A teoria diz que reduzir a tensão em relação ao barco automaticamente reduziria a tensão causada pela relação sexual. Essa resposta é baseada no conceito de Equivalência: o que interessa saber é que se dois estímulos são equivalentes, mudar a função de um muda a função de outro. Ou seja, se o barco e a relação sexual estão conectados, aliviar o desconforto com um deveria aliviar o desconforto com o outro.

As relações de Equivalência estão demonstradas em pesquisas, inclusive está demonstrado que mesmo funções que provocam emoções podem ser compartilhadas por estímulos equivalentes. Não há dúvidas quanto a isso, do ponto de vista da análise do comportamento. Resta saber como a psicanálise compreende o conceito de deslocamento e de energia psíquica.

Ficam dois avisos, de qualquer modo.
1. Não é possível afirmar, a priori, que todo objeto em que se “manifesta” um sintoma é equivalente ao objeto “causa” do problema.
2. Esse post, essa pergunta, esse convite à discussão, está sendo realizado em uma esfera altamente abstrata. A análise do comportamento não fala sobre sintomas e causas como descrito neste texto. A idéia aqui é fazer um exercício de discussão, ainda que partindo de bases quase paradoxais.

Robson Faggiani

Posted in Artigos.