Essa semana fiz a mim mesmo uma pergunta interessante, relacionando algumas informações que tenho sobre psicanálise com outras que tenho sobre análise do comportamento. Respondi de acordo com a análise do comportamento, mas gostaria que algum leitor mais conhecedor de psicanálise desse também uma resposta. A pergunta envolve a afirmação psicanalÃtica de que tratar os sintomas, e não as causas de uma psicopatologia, não resolveria o problema da pessoa, que ressurgiria em novos sintomas.
Um exemplo de um livro folheado recentemente: uma pessoa com medo de barco (sintoma) porque teve uma relação sexual, que ela considerava imoral (causa), em um barco.
Dizem os psicanalistas que se apenas o medo de barco fosse tratado, outro sintoma, como medo de mar, apareceria. Para iniciar, como surgiu o sintoma medo de barco? Sendo que a relação sexual considerada imoral era algo difÃcil de ser admitido pela pessoa, ela deslocou uma certa quantidade de energia psÃquica dessa relação sexual para o barco. Projetou seu desconforto no barco, mais fácil de ser evitado. Ter medo de barco é mais aceitável do que admitir para os outros, e para si mesma, ter tido uma relação sexual imoral. (essa explicação foi baseada no texto lido. Se incorreta, avisem-me para que eu a corrija imediatamente).
Suponhamos um terapeuta inexperiente (independente de abordagem), que não chega à causa, mantendo-se apenas no sintoma. Será que lidar somente com o sintoma não faria com que, automaticamente, a pessoa passasse a se lembrar e falasse espontaneamente sobre a causa? ESTA É A PERGUNTA. Aplicada ao exemplo: será que lidar somente com o medo de barcos não faria com que, automaticamente, a pessoa passasse a se lembra e falasse espontaneamente sobre a relação sexual?
Pela teoria, a análise do comportamento responde que sim. O barco estaria, nesse caso, intimamente relacionado com a relação sexual. A teoria diz que reduzir a tensão em relação ao barco automaticamente reduziria a tensão causada pela relação sexual. Essa resposta é baseada no conceito de Equivalência: o que interessa saber é que se dois estÃmulos são equivalentes, mudar a função de um muda a função de outro. Ou seja, se o barco e a relação sexual estão conectados, aliviar o desconforto com um deveria aliviar o desconforto com o outro.
As relações de Equivalência estão demonstradas em pesquisas, inclusive está demonstrado que mesmo funções que provocam emoções podem ser compartilhadas por estÃmulos equivalentes. Não há dúvidas quanto a isso, do ponto de vista da análise do comportamento. Resta saber como a psicanálise compreende o conceito de deslocamento e de energia psÃquica.
Ficam dois avisos, de qualquer modo.
1. Não é possÃvel afirmar, a priori, que todo objeto em que se “manifesta” um sintoma é equivalente ao objeto “causa” do problema.
2. Esse post, essa pergunta, esse convite à discussão, está sendo realizado em uma esfera altamente abstrata. A análise do comportamento não fala sobre sintomas e causas como descrito neste texto. A idéia aqui é fazer um exercÃcio de discussão, ainda que partindo de bases quase paradoxais.
Robson Faggiani
8 Responses
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Podemos ir devagar? Então vamos.
Uma primeira pergunta, para começar: o que é entendido como “tratar o sintoma”? É tentar modificá-lo? “Descobrir” sua “causa”? Mudar a relação com o sintoma?
Sua exposição do assunto está clara, e do que eu conheço de psicanálise está correta. Poderia ser mais aprofundada, mas serve para a discussão.
Lucas
Olá, Lucas. Bacana você ter comentado.
Vamos, então, definir “tratar o sintoma” como lidar, no exemplo, com o medo de barco como se ele fosse a causa do medo. Lidar no sentido de “fazer o medo desaparecer”.
Ajuda?
Abraço.
Robson,
Oi Robson!
Não sou psicanalista, mas… em psicanálise não parece haver equivalência, mas compensação. O sintoma não “equivale” a causa dele, mas é apenas uma tentativa de substituição, que deixa sempre resÃduos. Ainda, para complicar, o psicanalista separa os determinantes “atuais” dos mais “profundos”, relativos à infância. Ele perguntaria: tudo bem, mas o que causaria essa repressão do pensamento da relação imoral tornar-se sintoma logo ali, no barco? Essa situação desencadeada não teria outros fatores desencadeantes mais remotos?
Daà tua pergunta em negrito indicar, para um psicanalista, que sim e não: sim, lidar somente com o sintoma conduz toda hora à raiz dele, pois ao invés de fazer falar das circunstâncias desencadeantes, faz falar a angústia (essa compensação residual, não substitutiva); e não, no mesmo movimento que sobrevém a angústia e o sintoma, sobrevém ao mesmo tempo o tal do recalque, que não trata apenas da neurose “atual”, mas também de fatores mais remotos.
Em muitos momentos Freud é um verdadeiro psicólogo cognitivista (ou estes são psicanalistas ruins, vá saber, rsss): o paciente possui conjuntos diversos de representações, que no caso do sintoma faz com que determinados grupos sejam sobrepostos por outros, ocorrendo uma espécie de “cisão” da vida consciente (a vida contÃnua do indivÃduo convivendo com esses núcleos de angústia, que Freud pressupõe indicar representações sobrepostas, reprimidas); a tarefa da psicoterapia seria “liberar” essas representações, mesmo que depois o indivÃduo de algum modo “resolva” permanecer como estava, ou desloque os conteúdos antes reprimidos para atividades mais socialmente aceitáveis. Mas para isso, haveria em um fim de análise a perspectiva tanto da elucidação (mais no sentido de enfrentamento do que de desvelamento) desse momento “atual”, quanto do mais “profundo”. Acho que vai mais ou menos por aÃ…
Oi Robson!
Não sou psicanalista, mas… em psicanálise não parece haver equivalência, mas compensação. O sintoma não “equivale†a causa dele, mas é apenas uma tentativa de substituição, que deixa sempre resÃduos. Ainda, para complicar, o psicanalista separa os determinantes “atuais†dos mais “profundosâ€, relativos à infância. Ele perguntaria: tudo bem, mas o que causaria essa repressão do pensamento da relação imoral tornar-se sintoma logo ali, no barco? Essa situação desencadeada não teria outros fatores desencadeantes mais remotos?
Daà tua pergunta em negrito indicar, para um psicanalista, que sim e não: sim, lidar somente com o sintoma conduz toda hora à raiz dele, pois ao invés de fazer falar das circunstâncias desencadeantes, faz falar a angústia (essa compensação residual, não equivalente); e não, no mesmo movimento que sobrevém a angústia e o sintoma, sobrevém ao mesmo tempo o tal do recalque, que não trata apenas da neurose “atualâ€, mas também de fatores mais remotos.
Em muitos momentos Freud é um verdadeiro psicólogo cognitivista (ou estes são psicanalistas ruins, vá saber, rsss): o paciente possui conjuntos diversos de representações, que no caso do sintoma faz com que determinados grupos sejam sobrepostos por outros, ocorrendo uma espécie de “cisão†da vida consciente (a vida contÃnua do indivÃduo convivendo com esses núcleos de angústia, que Freud pressupõe indicar representações sobrepostas, reprimidas); a tarefa da psicoterapia seria “liberar†essas representações, mesmo que depois o indivÃduo de algum modo “resolva†permanecer como estava, ou desloque os conteúdos antes reprimidos para atividades mais socialmente aceitáveis. Mas para isso, haveria em um fim de análise a perspectiva tanto da elucidação (mais no sentido de enfrentamento do que de desvelamento) desse momento “atualâ€, quanto do mais “profundoâ€. Acho que vai mais ou menos por aÃ…
@Catatau
Oi, Catatau.
Obrigado por ajudar na resposta à minha pergunta.
A psicanálise é um mar ainda estranho para mim. Estou apenas na praia.
O que motivou a minha pergunta foram observações realizadas na situação clÃnica. De modo geral, começo a lidar com problemas “rasos” dos clientes: queixas imediatas. A partir daÃ, surgem espontaneamente problemas “os quais eles não gostam de falar” que, em uma primeira análise, parecem problemas “mais profundos”: ligados a sentimentos e pensamentos que afetam o repertório como um todo (e de um jeito ruim).
A sua resposta ajudou, mas fiquei decepcionado por não haver equivalência entre os conceitos. hehe
Abraço.
Robson.
Tem alguns estudos que buscam aproximar as perspectivas, exceto quando Freud fala em metapsicologia. Não recordo onde, mas inclusive o Skinner parece dizer que, tirando a metapsicologia do Freud (um constructo teórico para problemas da prática), o método analÃtico permaneceria em pé.
o que significa “foliad”
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