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Vacina psicológica

O princípio das vacinas é muito interessante. Injeta-se no paciente agentes patogênicos ou toxinas, previamente enfraquecidos, causadores da doença que se quer prevenir; esses agentes enfraquecidos são, então, facilmente combatidos pelo sistema imunológico do indivíduo, que passa a produzir anticorpos que o protegem da doença real. Em outras palavras,  ficar doente em nível reduzido prepara o organismo para enfrentar a doença em nível perigoso. Esse princípio é aplicável à psicologia? É possível prevenir problemas psicológicos graves se o enfrentarmos em níveis menores?

A resposta parecer ser “sim” para ambas as perguntas. Há algumas evidências empíricas, outras teóricas, de que é possível “vacinar” o comportamento humano:

  1. Independentemente da abordagem, psicólogos concordam em um fato: crianças mimadas, que não precisam se esforçar para obterem o que desejam, tornam-se adultos sem limites e despreparados para lidar com as frustrações. Estabelecer normas adequadas conduz as pessoas a se tornarem respeitosas e funciona como uma “vacina” contra baixa auto-confiança.
  2. As afirmações acima são suportadas por um dado interessante: países ricos costumam ter altas taxas de suicídio em sua população jovem. Com freqüência, esses dados são interpretados como resultados de uma vida sem dificuldades, em que a persistência e a resistência à frustração não são treinadas nos jovens.
  3. Na literatura da Psicologia Social sobre persuasão, comenta-se que uma das formas de tornar alguém resistente à manipulação é treiná-la a responder a críticas mais leves do que ela ouviria em uma situação de persuasão real.
  4. Seligman, estudando desamparo aprendido (um fenômeno psicológico irmão da depressão) em cachorros, descobriu que animais cujas histórias de vida envolviam escapar com sucesso de situações aversivas tornavam-se mais resistentes à depressão. Esses resultados foram replicados com humanos.
  5. A polícia e o exército colocam seus cadetes em situação de estresse. A idéia é prepará-los para enfrentar situações tensas com as quais deverão lidar futuramente.

O que há em comum entre os exemplos acima é a aprendizagem. Lidar dificuldades menores hoje ensina a lidar com dificuldades maiores futuras. Se os exemplos acima estiverem corretos e puderem ser generalizados para outros comportamentos-problema, talvez seja necessário rever o modo como criamos nossos filhos e cuidamos de nós mesmos… Vale a pena explorar a metáfora da “vacina psicológica”.

Basicamente, o que essa metáfora nos diz é que devemos preparar as crianças, desde cedo, para enfrentarem possíveis problemas comportamentais. Isso pode ser feito permitindo que nossos filhos lidem com dificuldades psicológicas em nível reduzido. É preciso tomar cuidado com essa sugestão, no entanto. Não é trabalho dos pais estabelecer propositadamente dificuldades aos filhos, e sim ensiná-los a lidar com eventuais problemas cotidianos.

Um meio termo é necessário. Crianças mimadas, pouco estimuladas e pouco desafiadas provavelmente se tornarão adultos despreparados para a vida moderna e mais suscetíveis a problemas psicológicos. Por sua vez, níveis altos de estresse e abandono na infância produzem adultos sem auto-estima e com propensão a desenvolver psicopatologias. O melhor caminho é ser carinhoso e protetor, mas possibilitar que os filhos lidem com níveis cada vez maiores de frustração.

Não é possível afirmar que o princípio biológico da vacina é idêntico ao processo de preparação psicológica descrito acima. Ainda assim, a metáfora da “vacina psicológica” parece apropriada para descrever tal processo.

Robson Brino Faggiani

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